Shadow

DA QUESTÃO INDÍGENA À ÉTICA NO MUNDO DOS NEGÓCIOS E NA POLÍTICA

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

Nestas reflexões, dedico um tempo maior à questão indígena. Em seguida trato da ética ou a falta dela no mundo dos negócios e ainda das investigações do golpe do dia 08 de janeiro.

Depois do governo de Lula constatar a situação deplorável em que se encontram os Yanomami, parte da sociedade se mobilizou movida por compaixão. Faz anos, que as nações indígenas gritam por reconhecimento de seus direitos. A Constituição de 1988 tratou da questão indígena no Capítulo VIII (artigos 231 e 232) e nas Disposições Transitórias (artigo 67). Porém, há muitas resistências por parte da sociedade branca em acatar o que a Lei máxima determina. Muitas questões não foram devidamente resolvidas, como por exemplo a demarcação das terras indígenas em tempo hábil, enfrentando-se até hoje o chamado Marco temporal. As nações indígenas só teriam direito às terras que ocupavam em 1988, não as que começaram a reivindicar mais tarde. É claro que isso viola toda uma história, os povos indígenas estavam aqui milhares de anos antes da chegada dos colonizadores. Desde a Proclamação da Constituição, vários povos saíram de seus esconderijos, onde ficaram por décadas, talvez centenas de anos com medo de perseguição e preconceitos. As situações concretas que conhecemos nos últimos anos, confirmam que têm razão.

Poucas pessoas conhecem a realidade indígena. Ainda têm gente que chamam os povos de “índios”, sem se dar conta que esta palavra se referia aos habitantes da Índia. Equivocadamente, os primeiros navegantes europeus pensavam ter chegado às terras índias, de onde buscavam roubar as riquezas e especiarias. Indígena tem outro significado: se refere a originário da terra, nascido no lugar mesmo. E são povos diversos, que, conforme o Filme “O povo brasileiro”, baseado nos estudos de Darci Ribeiro, se dividem em pelo menos quatro troncos linguísticos diferentes. Ele enumera os seguintes grupos: Tupi (Tupi-Guarani), Jê (Macro-Jê), Carib e Aruak, além de outras famílias linguísticas e línguas isoladas[1]. Os Yanomami formam um tronco ou grupo linguístico à parte.

O principal problema enfrentado pelos povos indígenas é a demarcação, proteção e preservação de seus territórios. E isso não melhorou nos últimos quatro anos, pelo contrário. Com a aprovação da urgência do PL 191/2020 da mineração em terras indígenas[2], aprovado em março do ano passado, o Projeto permanece na mesa diretora da Câmara aguardando continuidade da tramitação. Antecipando sua aprovação, já houve uma verdadeira ocupação em massa dos territórios, ainda ilegais, com as consequências que conhecemos. A iniciativa do PL era do Poder Executivo. Tomara que o atual governo o revogue. No último dia 02/02, o Instituto dos Advogados Brasileiros (AIB) emitiu um parecer declarando a inconstitucionalidade do referido PL[3]. Além desta questão, há abandono dos indígenas à própria sorte na área da saúde, da educação, do abastecimento, da proteção de seu meio de viver…. É reconhecido mundialmente a importância dos povos tradicionais pela sobrevivência do Planeta – só não por alguns grupos neocolonialistas em busca da espoliação dos territórios preservados e protegidos por estes povos.

Com a constituição do novo Congresso, não será fácil enfrentar a fome dos mais ricos por ainda mais riquezas. Lula levou a presidência, mas a grande parte dos eleitos nas Câmaras federais foram apoiadores da política conservadora e antipopular do anterior governo. Sempre alertamos sobre a necessidade de Lula ter apoio parlamentar. Mas os eleitores não fizeram o dever de casa. Agora, a fim de garantir governabilidade, o presidente vai ter que fazer milagres. E quem votou em deputados e senadores contrários à política da chamada esquerda, vão ser os primeiros a criticar o governo de não cumprir o que se propôs a realizar (ou o que prometeu). Sem o povo na rua, será que Lula terá cacife suficiente para enfrentar os lobos dos gabinetes?[4]

Lula acertou em cheio na sua crítica ao dito “mercado”. “O que ficou chateado é que qualquer palavra que você fale na área social, que você fale ‘vou aumentar o salário mínimo em R$ 0,10’, ‘nós vamos corrigir o Imposto de Renda’, o mercado fica nervoso, o mercado fica muito irritado. E agora um deles joga fora 40 bilhões de uma empresa que parecia ser a empresa mais saudável do planeta, e esse mercado não fala nada. Ele fica em silêncio. Por que tanto amor pelos grandes e tanto desinteresse pelos menores?[5]”. Assim falou nosso presidente. Podemos perguntar que é esse “senhor Mercado”. Não é uma força sobrenatural ou sobre-humana, mas ele é formado por pessoas, empresárias, ricas, que especulam e tomam decisões, apresentam tendências na compra e venda de produtos, definem os preços e em primeiro lugar querem garantir os seus lucros, mesmo que para isso precisam mentir e apresentar dados falsificados ou incompletos.

Um desses atores no mercado são os acionistas majoritários das Lojas Americanas, tendo Paulo Lemann à frente. Não fosse suficiente o rombo estimado em 40 bilhões nas Lojas Americanas (outras fontes falam em R$ 20 bilhões), esta semana a Revista Veja revelou que a AMBEV pode ter sofrido igualmente um desfalque de 30 bilhões[6]. Enquanto o rombo nas Lojas Americanas dizia respeito a compromissos com bancos e fornecedores, a dívida da AMBEV estaria composta principalmente por impostos não pagos. É claro que a empresa nega. Só diz que há conflito de interpretação sobre regras de taxação de refrigerantes especialmente (isenção de impostos) pela Receita Federal e pelas assessorias jurídicas de várias empresas do ramo[7], que na sua maioria estão situadas na Zona Franca de Manaus. Ainda nos lembramos do que aconteceu com a empresa MPX do Eike Batista. Era seu melhor negócio, até que uma empresa alemã (em 2013) a comprou e descobriu uma série de problemas[8]. No modo capitalista de produção, a ética e a transparência conflitam constantemente com sua vocação primordial que é maximizar seus lucros[9] a todo custo. Tem sinal mais claro disso do que o comentário do bilionário Abílio Diniz (conselho do Carrefour), que teme que a intenção de Lula com a reforma tributária é de tirar dos ricos para dar aos mais pobres?[10] Para os ricos deveria ser o contrário: tirar dos pobres para redistribuir aos mais ricos.

Se não fosse o Estado e as suas regras e normas limitantes da concentração da riqueza, a classe trabalhadora e as camadas populares que vivem à margem da sociedade – os empobrecidos, os marginalizados, os excluídos – não seriam contempladas, contando apenas com a pretensa solidariedade empresarial, pregada pelos representantes e teóricos do “Mercado” e expresso no jornal Valor Econômico.

As notícias dos últimos dias continuaram ainda dominadas pelas investigações sobre o golpe e cada vez mais detalhes deste episódio sórdido da história atual vão se revelando. Alguns envolvidos dificilmente escaparão das necessárias punições, por não gozarem (mais) de foro privilegiado, como o ex-deputado Daniel Silveira. Temendo a justiça brasileira, o ex-presidente procura estender sua estadia nos Estados Unidos o mais que pode. A “denúncia” feita pelo senador Marcos do Val pode ter sido um tiro pela culatra, por causa das inconsistências nas suas diversas declarações.

Sem nenhum escrúpulo, o presidente do PL declarou que recebia com frequência propostas de golpe e que muita gente as recebia. Uma das figuras deste grupo da extrema direita pode assumir o controle da Frente Digital na Câmara Federal que deve discutir medidas de controle da tecnologia de informação. Candidato é o deputado Zé Vitor, do PL de Minas, empresário do ramo de alimentos e fertilizantes[11]. O ministro de Justiça, Flávio Dino, enviou uma proposta de Pacote Anti-golpe para a Casa Civil da Presidência da República que procura prever possíveis tentativas ou conteúdos golpistas e tomar medidas cabíveis[12]. A prevenção contra fake News, entretanto, deve ser bem mais ampla e cabe a todos certificar-se de fontes e da veracidade das informações que a gente repassa.


[1] https://pib.socioambiental.org/pt/L%C3%ADnguas (Acesso em 2023.02.04)

[2] https://exame.com/brasil/o-que-diz-o-projeto-de-lei-que-libera-a-mineracao-em-terras-indigenas/ (Acesso em 2023.02.04)

[3] https://paraibacultural.com.br/projeto-de-lei-que-permite-exploracao-de-terras-indigenas-e-rejeitado-pelo-iab/ (Acesso em 2023.02.04)

[4] https://outraspalavras.net/crise-brasileira/ainda-falta-povo-na-equacao-do-governo-lula/ (Acesso em 2023.02.04)

[5] https://www.infomoney.com.br/politica/lula-critica-mercado-e-volta-a-cobrar-banco-central-por-juros-altos/ (Acesso em 2023.02.04)

[6] https://www.otempo.com.br/economia/ambev-pode-ter-rombo-tributario-de-r-30-bilhoes-diz-industria-da-cerveja-1.2807398 (Acesso em 2023.02.04)

[7] https://www.otempo.com.br/economia/ambev-solta-novo-pronunciamento-sobre-suposto-rombo-de-r-30-bilhoes-1.2808401 (Acesso em 2023.02.04)

[8] https://exame.com/revista-exame/e-essa-era-a-melhor/ (Acesso em 2023.02.04)

[9] https://valorinveste.globo.com/blogs/marcelo-trindade/coluna/o-movimento-esg-e-a-etica-no-capitalismo.ghtml (Acesso em 2023.02.04)

[10] https://mail.google.com/mail/u/0/?ik=8583183180&view=pt&search=all&permthid=thread-f%3A1756710869836323416&simpl=msg-f%3A1756710869836323416 (Acesso em 2023.02.04)

[11] The Intercept Brasil (04/02/2023), PL pode abocanhar a bancada das big techs.

[12] https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/politica-e-poder/ex-chefe-de-gabinete-de-gilmar-enviou-proposta-de-pacote-antigolpe-ao-ministerio-da-justica/ (Acesso em 2023.02.04)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.