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Êxodo, exílio, diáspora

Por Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor do SPM

Foto de Mahmoud Sulaiman na Unsplash

Êxodo é sinônimo de fuga. Do ponto de vista etimológico, “saída em massa”. Fuga da escravidão, como se lê no relato bíblico sobre o antigo Egito. Fuga de catástrofes e desastres naturais, com suas consequências, tais com estiagens prolongadas, inundações, deslizamentos de terra, furacões, terremotos, tsunamis, incêndios. Entretanto, há também fuga de conflitos armados ou guerras declaradas; da pobreza, miséria e fome; enfim, a fuga de terras inóspitas, devastadas, arrasadas. As multidões fogem em massa, tangidas por carências ou devastações que estão completamente fora de seu poder de intervenção. Outras por se verem aprisionadas a trabalhos análogos à escravidão, como dívidas contraídas antecipadamente com empregadores obscuros e inescrupulosos, como se pode constatar no desbravamento da floresta, entre outros serviços go gênero. Entra aqui, igualmente, as operações das forças da lei para o desmantelamento do tráfico de pessoas, notadamente mulheres e crianças, em vista da exploração trabalhista ou sexual.

Exílio é a negação de cidadania a pessoas que nasceram em um determinado território, povo ou nação. Pode ser motivado algum delito grave, porém, mais comumente tem origem em divergências internas, sejam elas de ordem étnico-religiosa ou político-ideológicas. As vítimas acabam sendo banidas para qualquer território longínquo, normalmente estranho e hostil. Os impérios costumavam usar essa punição para se verem livres de críticos e opositores, mandando-os para qualquer território distante e pouco conhecido, como os países asiáticos, africanos e sul-americanos. Nos famigerados Gulag da União Soviética, como nos alerta o escritor russo Alexander Soljenítsin, não poucos prisioneiros, além se exilados para a Sibéria, viam-se submetidos a extenuantes trabalhos forçados. Outro escritor russo, Fiódor M. Dostoievski, também se viu condenado ao deserto gelado da Sibéria. E nas primeiras décadas do século XIX, o imperador Napoleão foi exilado para a ilha de Elba, de onde viria e escapar, depois banido definitivamente. Reportando-nos novamente a um relato bíblico, boa quantidade de pessoas dos reinos derrotados de Israel e Judá foram levadas para a Babilônia, tendo retornado mais tarde à própria terra.

Diáspora, segundo os dicionários, consiste na “dispersão de um povo em consequência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica”. O conceito preserva algo do exílio, mas neste caso trata-se de um fenômeno de massa e, não raro, perda de identidade. Era frequente nas guerras povos da antiguidade, onde muitas pessoas da elite derrotada, muitos artesãos com especial destaque para os ferreiros e muitas mulheres eram levadas como troféus de batalha. Muitos desses prisioneiros acabam por dispersar-se e/ou assimilar-se à nova cultura. Porém, a dispersão caracteriza também povos de língua, costumes e história mais ou menos homogênea, mas desprovidos de território a que possam chamar de nação. Emblemáticos hoje são os casos dos palestinos e dos curdos. Outros povos, de modo particular a partir da Revolução Industrial ou devido a alguma calamidade, tiveram o próprio território consideravelmente esvaziado.

Nessa lista, por exemplo, podemos incluir Irlanda, Itália, Portugal, Polônia, Argélia, Eritreia, México, El Salvador, Bolívia, Síria, Cuba, Haiti, entre outros. Mais recentemente, acrescentamos o Chile e o Paraguai, por ocasião de suas ditaduras militares, mas, no caso do Paraguai, também pela falta de oportunidades, bem como a Venezuela e a Ucrânia, devastadas a primeira pela ditadura, a segunda pela guerra. Há casos em que a população que vive no exterior quase supera aquela que segue no próprio território. Não estamos longe do êxodo/fuga, mas aqui o acento recai sobre a dissolução enquanto povo. Também não é raro tais migrantes recriarem, longa da pátria, territórios próprios. Quatro casos exemplares: na cidade de Paris, temos os bairros marcadamente argelianos; em São Paulo, os bairros bolivianos; em Buenos Aires, os bairros paraguaios; em New York e Los Angeles, respectivamente, os bairros mexicanos ou salvadorenhos.

As três formas de migração – êxodo, exílio e diáspora – que, de resto, não podem ser analisadas de forma isolada, seguem vivas. Mas outras vão se multiplicando e baralhando o campo diversificado e complexo da mobilidade humana. Entre outras, destacam-se a expatriação compulsória de estrangeiros indocumentados; a sazonalidade temporária dentro de uma nação ou de um país para outro, particularmente como mão-de-obra para as safras agrícolas ou construção civil; a corrida desesperada atrás dos ventos do capital e das migalhas do trabalho, ainda que precário e instável; o tráfico e exploração internacional de órgãos e de seres humanos; a feminilização dos deslocamentos de massa, juntamente com a migração de menores não acompanhados.

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