Data significativa e simbólica para nós brasileiros, o dia 07 de setembro, se aproxima. Nós cristãos consolidamos, nesta data, a importante prática de dar as mãos e juntar forças com os movimentos populares e pessoas de boa vontade para fazermos criativa e eticamente ecoar o “Grito dos/as excluídos/as”. Por todo o Brasil, acontecem manifestações, caminhadas e gestos simbólicos e proféticos, seja no sentido de denunciar as graves ameaças à vida de nosso tempo, seja para ensaiar os passos coletivos para a construção de outra sociedade possível: pautada pela justiça social, pela inclusão de todos na mesa da cidadania, pelo ideal da fraternidade-sonoridade universal e o cuidado coletivo com a nossa casa comum.

Chamou a atenção, nessa semana, a convocação da CNBB dirigida a todos os bispos para que, como cristãos, façamos um “Dia de jejum e oração pelo Brasil”. Embora tenha sido enviada uma bela e densa oração, com um conteúdo sintonizado com a situação sociopolítica vivida pelo nosso país, foi uma convocação sem qualquer referência ao “Grito dos/as excluídos/as”. Por quê não fazer do dia 06/09/2017 o dia de jejum e oração em preparação para a mobilização geral das manifestações do Grito dos/as excluídos no dia 07/09/2017?

Tendo a prática libertadora de Jesus, o profeta galileu do Reino de Deus, como fonte de inspiração, é claro que esta proposta tem profundo sentido. Como nos revelam os evangelhos, Jesus cultivava, em seu dia a dia, dentre outras práticas, o silêncio, a vigília de oração no cultivo da intimidade com o Pai, o jejum e a acolhida fraterna dos doentes e marginalizados. Tudo isso fazia parte da mística de Jesus. Tais práticas o encorajava e o fortalecia na missão junto ao povo, tanto no anúncio-testemunho do Reino, quanto na denúncia contra as injustiças políticas e a cumplicidade-promiscuidade das lideranças religiosas de seu tempo. Inúmeros sacerdotes, doutores da lei e fariseus não defendiam a dignidade e a vida do povo, ao contrário, juntavam-se aos saduceus e herodianos e avalizavam a dominação, a exploração e a exclusão social dos mais pobres.

Nenhum cristão, como discípulo ou discípula de Jesus, deve ver contradição entre o cultivo da mística e a prática profética cristã ou, o que seria ainda mais grave para a ação evangelizadora da Igreja, conceber um divórcio entre elas. A fé sem obras tende a deturpações, tanto quanto o ativismo social sem uma espiritualidade que nos anime e irmane na prática da justiça, da paz, da misericórdia e do amor fraterno. Nesse sentido, vale a pena ler o alerta lançado pelo sociólogo cristão Pedro A. Ribeiro de Oliveira, que durante muito tempo foi assessor da CNBB e, ainda o é, do Movimento fé e política e das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs.

A CNBB recolhida em jejum e oração

Nada haveria de estranho no pedido de oração pelo Brasil, se ele fosse acompanhado de algum estímulo à participação na principal manifestação pública de protesto social: o Grito dos Excluídos“. 

Eis o artigo.

Quem acompanha atentamente a conjuntura eclesiástica percebe a polarização do episcopado brasileiro entre aqueles que assumem as lutas dos Movimentos Sociais por Terra, Teto e Trabalho, e os que defendem a ordem estabelecida hoje representada pelo governo federal. Entre esses dois polos encontra-se a maioria dos bispos e sua expressão oficial – a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.

A CNBB conquistou prestígio na sociedade quando se colocou como “voz de quem não tem voz” durante a ditadura de 1964-84. A autoridade moral então adquirida contribuiu decisivamente para o êxito de movimentos da sociedade civil como a inscrição dos Direitos de Cidadania na Constituição de 1988, o Combate à Fome e à Miséria, e a Ética na Política. Gradualmente, porém, ela foi-se retirando das mobilizações sociais e prestando-lhes um apoio pouco mais do que formal.

No dia 10 de agosto, ao concluir a reunião do Conselho Permanente – instância que responde pelo conjunto do episcopado brasileiro entre as Assembleias Gerais – veio o sinal de que essa retirada atingiu novo patamar. A Presidência da CNBB lançou uma Nota acompanhada de uma carta aos bispos, onde diz:

“Vivemos um momento difícil e de apreensão no Brasil. A realidade econômica, política, ética vem acompanhada de violência e desesperança. O Conselho Permanente, ao refletir o momento vivido, pediu que a Presidência enviasse carta ao irmão, sugerindo um Dia de jejum e oração pelo Brasil. Pediu igualmente que fosse enviada uma oração que pudesse ser rezada nas comunidades e famílias. O dia de oração e jejum sugerido é o dia 7 de setembro próximo.”

Nada haveria de estranho no pedido de oração pelo Brasil, se ele fosse acompanhado de algum estímulo à participação na principal manifestação pública de protesto social: o Grito dos Excluídos. Criado pela própria Igreja Católica como contraponto ao ufanismo que acompanha a parada militar e civil do Dia da Pátria, ele já está em sua 23ª edição. Sem violência, com criatividade, humor e senso crítico, ele acontece logo após o encerramento das comemorações oficiais mostrando o avesso da realidade brasileira. Vários grupos de cristãos participam desse ato, marcando sua presença entre os excluídos e excluídas do banquete do mercado.

Desconheço o processo que levou a CNBB a pedir oração e jejum mas não apoiar o ato público que acontecerá nas ruas de muitas cidades brasileiras, porque esse silêncio desclassifica o Grito dos Excluídos como legítima manifestação de protesto contra o “momento triste, marcado por injustiças e violência” a que se refere a mesma carta aos bispos. Desconfio, porém, que esse silêncio obsequioso sinaliza o recolhimento da Igreja Católica para dentro de si mesma – no aconchego dos templos e dos lares – na direção inversa da que pede Francisco:

“Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”. (A Alegria do Evangelho, 49).

Se essa hipótese é verdadeira, torna-se preocupante o atual momento eclesiástico porque sinaliza divergência entre a orientação pastoral dada pelo Papa e uma das principais Conferências Episcopais do mundo. Espero, portanto, estar enganado nesta análise da CNBB. Os fatos vindouros darão a resposta.

Pedro A. Ribeiro de Oliveira, doutor em Sociologia, professor aposentado dos PPGs em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas.

Fonte:

IHU