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A Dom Geremias e todos os perseguidos por causa do Evangelho do Reino. Edward Neves Monteiro.

Em tempos sombrios de perseguição, ajuda-nos o cultivo da memória viva do caminho de Jesus, ter presente a sua prática libertadora, os ensinamentos e gestos proféticos.

Nós que ousamos ser discípulos e discípulas de Jesus, profeta crucificado, morto e ressuscitado, vivo e estradeiro conosco, inseridos num Continente ainda marcado pela violência da desigualdade e opressão cultural, religiosa, econômica e sociopolítica, mas também numa terra fecundada pelo sangue de tantos mártires da defesa da justiça, da liberdade, dos direitos humanos, da democracia cidadã, do equilíbrio ambiental, não podemos nos esquecer o que ouvimos da boca do próprio Jesus: “Se me perseguiram, perseguirão a vós também” (Jo 15, 20) e “virá a hora em que todo aquele que vos matar, julgará estar prestando culto a Deus. Agirão assim por não terem conhecido nem ao Pai, nem a mim” (Jo 16, 2-3), mas atenção, a perseguição por causa da justiça, na ordem do Reino de Deus, é bem-aventurança (Cf. Mt 5, 10), “pois foi deste modo que perseguiram os profetas que vieram antes de vós” (Mt 5, 12).

Acontece que o anúncio/ testemunho profético do Evangelho do Reino, Evangelho da justiça, numa sociedade de conflitos, desigualdades e injustiças sociais, não é tarefa fácil. Implica necessariamente a denúncia do anti-reino, a opção pelos pobres e marginalizados, a postura de defesa incondicional da dignidade e o colocar-se ao lado das vítimas do sistema opressor. É isso que provoca a perseguição aos/às discípulos/as de Jesus. É o que suscita as ações virulentas dos filhos das trevas. Foi assim com Jesus, com todos os homens e mulheres que ousaram levantar bandeiras de luta e transformação socioeconômica, política e cultural, e será igualmente com os discípulos e discípulas de Jesus que continuam a assumir posturas proféticas.

Tive a alegria de conhecer a pessoa de Dom Geremias Steinmetz durante o 14º Encontro Intereclesial das CEBs, em Londrina, no Paraná. Lembro-me da serenidade evangélica e da firmeza profética em sua postura de defesa da caminhada das Comunidades Eclesiais de Base em meio ao turbilhão de calunias e perseguições perpetradas nas mídias digitais por pessoas que se dizem cristãs, mas que agem de forma virulenta, cruel e imoral contra quem ousa contestar seus privilégios de classe ou ameaça a margem crescente de seus lucros. Certamente, nessa nova onda de perseguição por posturas proféticas, em sintonia com o papa Francisco e com a CNBB, contra a perversa reforma trabalhista recentemente aprovada e o igualmente perverso projeto de reforma da Previdência que não corta privilégios, não corrige distorções e aumenta ainda mais o sofrimento e a dor dos mais pobres e excluídos quando estes mais precisam do amparo do governo.

Esses “cristãos” não acolhem o fermento transformador do Evangelho de Jesus que nos irmana e iguala em dignidade pela experiência da boa nova da gratuidade do amor de Deus, amor exigente que nos transforma por dentro e nos desafia a concretizar socialmente a centralidade do amor, a partilha solidária dos bens e a conviver de outra maneira já aqui rumo à plenitude futura de comunhão junto de Deus.

Esses “cristãos” que se julgam guardiões da ortodoxia e da sã doutrina, por isso não concordam com a caminhada dessas comunidades cristãs e, sobretudo, dos que acolhem a reflexão da Teologia da Libertação que, por usar mediações sócio-analíticas advindas das ciências humanas e sociais, colocou o dedo na ferida e explicitou as contradições de quem diz acolhe a pessoa de Jesus e o Evangelho do Reino e permanece indiferente, seja ao grito dos pobres e sofredores, seja diante das estruturas sociais injustas geradoras de destruição da nossa Casa comum, miséria, exclusão e morte de inúmeros irmãos. Abominam um cristianismo que acolhe o grito dos pobres e marginalizados, indígenas, negros, mulheres, migrantes, refugiados, ciganos, LGBTs e que promove a justiça social e a cultura da paz que é fruto da justiça entre os homens e os países, povos e nações.

Esses “cristãos” acusam de comunistas, marxistas, revolucionários, subversivos, baderneiros, esquerdopatas, petralhas etc. os membros das CEBs, aos que, como Dom Geremias, apoiam essas comunidades cristãs proféticas do Reino, a luta dos movimentos populares em defesa da justiça e da igual cidadania e aos defensores da teologia latino-americana brotada da caminhada da Igreja dos pobres. Julgam que, ao procurarem acolher as interpelações do Evangelho e dinamizar a vida cristã a partir da unidade Fé-vida, assumem uma fé cristã deturpada e impura. Por isso se irmanam e caminham de mãos dadas com os cristãos de outras igrejas, com fiéis de outras tradições religiosas e com pessoas sem vínculos religiosos, comprometidos com a justiça social e a cultura da paz, com as lutas em defesa da vida, tendo como culto agradável a Deus o compromisso eucarístico e sociopolítico de participar da construção de uma sociedade justa, com partilha solidária dos bens e com inclusão de todos na mesa da dignidade cidadã e que seja ecologicamente sustentável e eco-éticas.

Em tempos sombrios de perseguição, ajuda-nos o cultivo da memória viva do caminho de Jesus, ter presente a sua prática libertadora, os ensinamentos e gestos proféticos, os conflitos que ela suscitou junto aos poderosos e as violentas consequências de sua prisão e morte na cruz. Do mesmo modo, ajuda-nos o cultivo da memória de tantos homens e mulheres de nosso Continente injusto que trazem em seus nomes, corpos e história, as marcas da calúnia, da perseguição, da violência e da morte. Ajuda-nos igualmente a fé teimosa e incondicional no Deus da ressurreição, cujo projeto salvífico universal é mais forte que a força bélica e violenta dos poderosos deste mundo.

Entre os desafios de quem se tornou discípulo missionário numa Igreja em saída, semeador da utopia do Reino numa sociedade de conflitos, sobressaem tanto o da coragem-firmeza profética, quanto o da perseverança militante, esperançada, resiliente e teimosa. Implica, por isso, o cultivo de uma espiritualidade libertadora e a confiança na presença do Espírito de Cristo, a fonte fecunda que faz o trigo brotar e produzir frutos, mesmo diante do joio semeado pelo inimigo.

Não devemos ceder diante da perseguição dolorosa e cruel, muitas vezes desferida por aqueles que se infiltram e se colocam no seio da Igreja de Jesus Cristo. Por isso lanço aqui um discernimento para aumentar a responsabilidade do perseguidor ante da lógica do Reino de Deus: uma coisa é o diálogo franco ou a correção fraterna, tão necessários em toda caminhada humana, outra é a calúnia e a agressão, covardes e anti-fraternas, de quem visa destruir o nome e eliminar a pessoa do outro.

Desse modo, termino convocando a todos os cristãos comprometidos com a evangelização a se unir na mesma prece ao Deus da vida, para que com a luz e força do Espírito Santo, Ele conceda o dom da fidelidade ao Reino e da perseverança na defesa da justiça e da cultura da paz, a Dom Geremias e a todos os que, como Jesus, estão sendo caluniados, perseguidos e violentados por terem assumido as causas do Evangelho da Justiça.

Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães

Fonte: observatoriodaevangelizacão

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