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A PEC DOS PRECATÓRIOS: UM “JEITINHO” DE LEGALIZAR O CALOTE

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

Mais sobre a PEC 23, dos precatórios ou do calote, assunto que está dominando os debates políticos já há algumas semanas. Escutando Maria Lucia Fatorelli, auditora fiscal aposentada e personalidade central da Organização Não-Governamental Auditoria Cidadã da Divida Pública, o que a PEC esconde é muito mais grave do que se imagina. O pouco tempo para debate e aprofundamento dado aos deputados e senadores, faz com que sejam facilmente ludibriados. Até governadores como Wellington Dias (PT/PI) e prefeitos estão sendo enganados, alerta a Maria Lúcia, numa Live do dia 01 de novembro.

Algumas das denúncias precisam ser explicadas de forma bem popular, simples, mesmo que a realidade seja bem mais complexa. Um primeiro ponto a comentar é que a partir da aprovação da PEC, os governos vão poder fazer algo que outros artigos da Constituição proíbem: ou seja, fazer empréstimos, contrair créditos – portanto aumentar dívidas – que ultrapassem sua sustentabilidade da arrecadação anual. A PEC não trata da possibilidade de governos receberem adiantado dívidas de quem deve a eles. A PEC permite ao governo federal contratar empresa (bancária) para ela pagar os precatórios em nome do governo (pagamento adiantado), mas com desconto. Os bancos ficam com um crédito a receber do governo federal, com altos juros e taxas, na ordem de 23% ao ano. Estes créditos, no entanto, não vão entrar no orçamento do governo. Como o banco arrecada os impostos dos contribuintes, é ele que passará diretamente este dinheiro para a empresa que conseguiu o contrato com o governo. Ou seja, o governo sequer vai ver a cor do dinheiro, nem vai saber quanto for retirado da sua receita de impostos, a não ser que o peça explicitamente. Mas não tem como o poder legislativo aprovar o dinheiro que será pago, nem o fiscalizar, porque correrá por fora do orçamento, embora pago com os impostos dos contribuintes. É o sistema bancário assumindo a gestão dos recursos públicos, sem prestação de contas e com altos benefícios para ele mesmo. Foi isso que aconteceu, por exemplo, em Minas Gerais, onde o banco Pontual do Paulo Guedes, ministro de economia, foi uma das empresas que se beneficiaram com esses contratos. A mesma prática, afirma Fatorelli, já aconteceu em São Paulo também.

Graças à aprovação de emendas parlamentares, que compraram o voto de deputados, a emenda foi aprovada em duas sessões da Câmara. Não surtiu efeito a liminar da Ministra do STF Rosa Weber, que ordenou parar o pagamento das emendas. Artur Lira encontrou seu jeito e manteve a compra de votos.

Há uma contradição muito grande entre permitir a inclusão de emendas de parlamentares no Orçamento Anual e sua função de fiscalização do orçamento. Cabe ao Poder Executivo elaborar o Orçamento e submetê-lo à aprovação do Congresso. É óbvio que os legisladores podem alterar, “emendar” a forma de como deve ser usado o recurso público. Se não for, não havia necessidade de Câmara e Senado apreciar o orçamento. A questão é, que não apenas discutem as políticas e os recursos destinadas a elas, mas ganharam o “direito” de dispor de um recurso determinado – soma que muda anualmente – para financiar projetos na sua base eleitoral. Este ano (2021), cada deputado pode apresentar até 25 projetos e um valor máximo de R$ 16,3 milhões. Além disso, as diferentes bancadas estaduais recebem outro tanto, no valor de R$ 247,2 milhões. Este dinheiro é orçado, previsto, o que não significa que será também disponibilizado. Há uma cobrança constante dos parlamentares de que o orçamento aprovado seja também executado como foi votado. Atualmente, o orçamento continua sendo autorizativo, ou seja, o poder executivo tem a autorização de utilizar os recursos como proposto, mas também pode fazer alterações mediante justificativas – diminuir dinheiro num projeto ou programa, para usá-lo em outro. Como o orçamento é autorizativo, o executivo tem uma forte moeda de troca nas mãos para comprar votos de parlamentares para seus interesses, como na votação da PEC 23.

O exemplo talvez mais claro, até agora, do uso político das emendas – não para políticas públicas, mas para beneficiar interesse do executivo – foi a compra de votos, em 1997, para que os deputados votassem a favor da reeleição de presidente, governadores e prefeitos. O próprio Fernando Henrique Cardoso, que foi diretamente beneficiado com a Emenda Constitucional da reeleição, reconhece que houve a compra de votos, no entanto, ele nega que pessoalmente estivesse envolvido. É claro que não vai confessar. Fato é que aconteceu, as provas foram comprovadas, mas o caso nunca foi investigado.

Para o bem da nação, é importante que a PEC 23 seja derrubada. A Câmara já aprovou, essa batalha já se perdeu. Falta agora o Senado. E depois, por causa de irregularidades no processo, é possível que a questão ainda vá para a Justiça Federal, para o Supremo.

Muitos professores/as estão entre os que devem receber parte de salários (ajustes salariais) não pagos em anos anteriores. Entraram na justiça, ganharam o processo, mas arriscam agora ter que esperar mais uns dez ou mais anos para que o dinheiro seja realmente recebido. Por isso, os sindicatos dos profissionais da educação são radicalmente contra a aprovação da PEC.

Uma das desculpas que o Governo usa para defender a PEC dos precatórios é que serão liberados recursos para pagar o Auxílio Brasil, que irá substituir o Programa Bolsa Família (PBF). Muitas pessoas se deixam enganar por este argumento. Havia possibilidade de continuar o PBF, que já durou dezoito anos. Tinha como colocar dinheiro no orçamento para ele. Mas o atual governo quer apagar da nossa memória os avanços que os governos de Lula e Dilma deixaram para a nação. É mentira dizer que o novo Auxílio será de R$ 400,00. Este é o máximo que algumas famílias poderão receber. A maioria receberá menos. As famílias que recebiam o Auxílio Emergencial durante a pandemia, não estão incluídas neste novo projeto. Somente famílias inscritas no Cadastro Único, e nem todas! Terão que atender às novas exigências. E o projeto termina no final do próximo ano, logo depois das eleições. O PBF não tinha este limite de tempo: era um programa de longa duração, que poderia ter continuado por vários anos ainda. Não vale a pena votar novamente nos deputados e senadores que aprovaram a PEC 23: são claramente contra o povo brasileiro, especialmente contra as famílias mais carentes.

Esta semana terminou também a COP 26 em Glasgow, com poucos resultados positivos. As nações, na sua maioria, concordam da necessidade de fazer algo em defesa do Planeta. Problema é que não conseguem concordar sobre o que este “algo” implica. Talvez a medida principal seria acabar em pouco tempo com o uso de combustíveis fósseis: carvão, gás natural, petróleo, e começar a trocá-las por outros tipos de fonte de energia. Mas quem produz petróleo e se enriquece com ele está pouco disposto a largar o osso, seu ouro preto. Se Glasgow não tenha sido um fiasco total, também não foi uma vitória do Planeta Terra e de quem o defende. Vai ser preciso a população manifestar-se mais, ir pras ruas, contestar as políticas destruidoras e buscar alternativas, inclusive na sua vida particular. Cada um fazendo sua parte não garante, no entanto, um recuo muito grande no aquecimento global, mas cria talvez a consciência de que, sobretudo, as mais ricas nações, corporações e famílias, sejam obrigadas a dobrarem-se diante daquilo que a maioria dos pobres querem e que o Planeta necessita. Por este motivo, tomar consciência da gravidade da situação se torna fundamental.

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