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Coitado de Jesus, Cada Vez que o Chamam de rei. Marcelo Barros.

“desejam  que Jesus aceite ser rei para que eles sejam ministros e príncipes. Se Jesus não é rei, como padres, bispos e pastores podem ser ministros e regentes dominadores desse reino?”

Na Igreja Latina, o último domingo do tempo comum, que nesse ano cai neste 25 de novembro, é chamado “festa de Cristo Rei, Senhor do Universo”. Essa festa foi criada em 1925, pelo papa Pio XI. Através da encíclica Quas Primas, o papa ordenou que se celebrasse essa festa aclamando Cristo como Rei para contrastar o ambiente secularizado do mundo, a perda de prestígio que a Igreja Católica estava vivendo, a perda pelo papa dos territórios pontifícios (restou só o Vaticano, coitado) e principalmente para mostrar força diante do comunismo ateu que ameaçava o mundo. Os perigos eram tão sérios que pedia uma reação mais profunda: uma festa litúrgica. E essa só poderia ser a festa de Cristo Rei.

Comumente, as outras Igrejas não costumam cumprir ordens de papas, mas significativamente, nesse caso, algumas Igrejas evangélicas, como a Anglicana e a Luterana incorporaram essa festa em seus calendários. Certamente pelos motivos mais santos e louváveis, esperamos…

Até 1968, a festa de Cristo Rei era celebrada no último domingo de outubro. A reforma litúrgica feita depois do Concílio Vaticano II a transferiu para o último domingo do ano comum, isso é o 34º do ano (que nesse 2018 é hoje). Assim, se dá a essa festa um sentido escatológico, isso é, celebra-se o Cristo como rei e Senhor do universo para reavivar em todas as pessoas que creem a mística e a esperança do reino. Isso é bom e muito mais profundo. Só tem um problema. Ao acentuar o Cristo como rei e senhor do universo, as Igrejas desconhecem todas as outras tradições religiosas. Volta-se a um certo exclusivismo da fé e ao centrar a fé em Jesus deixa-se de certa forma a fé de Jesus, isso é, o modo como Jesus mesmo viveu a fé em Deus. Seria diferente acentuar o reino de Deus e celebrar a ação do Espírito em Jesus e em todos/as os profetas e mensageiros/as do Espírito no testemunho da vinda do reino divino ao mundo. Aí sim, nós cristãos, temos todo o direito e a alegria de privilegiar Jesus e procurar aprender dele o modo de vivermos nós também desde já, aqui e agora o caminho do reino divino.

Mas, voltemos ao que é como é, isso é, a festa de Cristo Rei nas Igrejas, essas reais que são as nossas. Evidentemente, todos os pregadores, católicos e evangélicos devem explicar hoje que Jesus é rei sim, mas o é, de modo diferente de todos os reis desse mundo. É rei como servidor e por dar a sua vida por todos nós.

Por isso, seja nas imagens do Cristo crucificado, seja em outros ícones, mais do que depressa, se providenciam coroa e cetro para o pobre de Jesus que, em vida, nunca aceitou esse título. Nunca o usou para si mesmo, a não ser quando já estava praticamente condenado à morte, diante de Pilatos (é o evangelho lido hoje nas Igrejas – João 18, 33- 37).

É verdade que, quando, falou do juízo final em uma parábola, teria dito que “o rei” reunirá a todos em redor de si e separará as ovelhas dos cabritos… (Mt 25). (Esse rei deve ser ele, Jesus).

Acho que em nenhum outro momento, aceita ou usa para si o título de rei. Ao contrário disso, nos evangelhos, sempre escapa desse título e o evangelho de João chega a dizer que quando o povo no deserto, depois da repartição dos pães, quis torna-lo rei, ele agiu como o livro do Êxodo conta de Moisés, diante da adoração do bezerro de ouro. Tanto Moisés, como no caso Jesus, deixaram o povo e, cada um, sozinho subiu à montanha (Jo 6, 15 ss). Isso significa que querer considerar Jesus rei é como adorar o bezerro de ouro. Seria cometer idolatria e romper a aliança de Deus.

Todos os evangelhos contam que no interrogatório, Pilatos perguntou ao prisioneiro Jesus: Tu és o rei dos judeus. Todos contam que Jesus responde: “Você é que está dizendo”. João é o único no qual Jesus prolonga esse assunto e acaba dizendo: “Sim, eu sou rei… E nasci para isso”. Aí ele explica “vim para dar testemunho da verdade”, ou seja, de que o reino de Deus é verdade. (Jesus é testemunha do reino do Pai).

É importante deixar claro: na sociedade de Jesus e mesmo na boca de Pilatos, ou na resposta de Jesus o título “rei dos judeus” significa o Messias, o libertador de Israel… Não significa ser rei no sentido moderno do termo. Não tem sentido pensar em Jesus com coroa na cabeça e cetro de poder nas mãos. É o tipo do título inadequado para Jesus. Além de ser linguagem de outro mundo que não diz nada hoje

Claro que essa atitude de Jesus de rejeitar a realeza, mesmo a messiânica nunca foi compreendida pelos discípulos. Os evangelhos dizem claro que Pedro e os outros nunca aceitaram a cruz e nunca desistiram de perguntar a Jesus quem deles seria o maior ou o mais importante quando ele estabelecesse o seu reinado…

É impressionante como até hoje, as Igrejas continuam vivendo o mesmo problema dos primeiros apóstolos e discípulos. Parece (me perdoem o que vou dizer agora) que todos desejam muito que Jesus aceite ser rei para que eles sejam ministros e príncipes. Se Jesus não é rei, como padres, bispos e pastores podem ser ministros e regentes dominadores desse reino?

Em uma de suas meditações de vigília, Dom Helder diz que sabe que Jesus não gosta e não quer esse título. Dom Helder sabia que muitas vezes, a Igreja usa esse título não tanto para falar de Jesus mas para garantir os seus privilégios de Igreja em nome de Jesus.

Seja como for, uma coisa é certa: nos evangelhos, Jesus fala muito em “reino de Deus”. Reino ou reinado divino é o projeto que Deus tem para esse mundo. É o mundo organizado do jeito que Deus quer que seja. Nesse sentido, Jesus nos ensina a orar: “Pai nosso,… venha a nós o vosso reino!”.

Embora no mundo de hoje, mesmo esse termo “reino de Deus” deva ser traduzido por projeto divino ou programa social e político que Deus quer para o mundo, nesse último domingo do ano litúrgico, é bom lembrar essa “mística do reino” para nos indicar a meta, a direção para onde devemos sempre caminhar e tender: a realização do projeto divino no mundo.

Será que eu mesmo como pessoa, a cada momento e a cada decisão que tomo na vida, me pergunto o que Deus quer que eu faça e me guio sempre por essa mística de realizar o projeto divino sobre mim e sobre o mundo.

Nessas eleições que há pouco tivemos no Brasil, quantos cristãos e mesmo quantos padres e pastores se perguntaram como deveriam votar para realizar no Brasil o projeto que Deus quer para o nosso país?

Quando atuamos na Política, quando trabalhamos no cotidiano da vida pela manutenção da família e quando nos relacionamos no dia a dia, tudo isso deve ser motivado e estimulado pelo desejo e pela ânsia da vinda do reino, isso é, da realização do projeto divino na vida da gente e do mundo. A própria fé, a própria espiritualidade tudo deve ser centrado nessa ânsia do reino: os primeiros cristãos terminavam sempre todas as suas reuniões dizendo: Marana –tha, vem, Senhor, vem…. Por isso, o próximo domingo é o que começa o novo ano litúrgico e se chama “primeiro domingo do Advento”, isso é da expectativa da vinda do reino de Deus.

O texto do Evangelho lido nessa festa, (João 18, 33ss), conta que Jesus está preso diante do governador Pôncio Pilatos e esse lhe pergunta: Tu és rei? É uma pergunta irônica e que parece gozação: perguntar a um prisioneiro condenado à morte, nu e torturado, se ele é rei. E Jesus respondeu: “Eu sou rei. Para isso nasci e para isso vim ao mundo, para dar testemunho da verdade (da verdade do reino de Deus). E toda pessoa que pertence a essa verdade (do reino), escuta a minha voz”.
Jesus deu a vida para garantir que Deus não é caloteiro, alguém que promete e não cumpre.

Nós também somos chamados a apostar toda a vida da gente nessa mística do reino. Viver para dar testemunho de que o reino de Deus é verdade e ele vem mesmo a esse mundo. Essa é a nossa fé, essa é a nossa devoção. Essa é a razão da minha e da nossa vida.

Marcelo Barros

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