Ao propor aos povos amazônicos como sujeitos da inculturação, assumimos a orientação do Papa Francisco para “superar a rigidez de uma disciplina que exclui e distância, por uma sensibilidade que acompanha e integra” (IL 126b; AL, 297 e 132).
“Coragem, sou eu, não tenhas medo!” (Mt 14,27) era o lema do nosso “Simpósio Teológico” em preparação ao Sínodo para a Amazônia, realizado entre os dias 24 e 26 de junho em Roma. Na terceira parte do nosso “Relatório final” propusemos:
Que o Sínodo inicie seu trabalho assumindo uma tripla conversão (cf. IL 5, 102, 103):
– A conversão pastoral de uma Igreja que quer ser samaritana e profética (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium).
– A conversão ecológica (ecologia integral proposta pela Encíclica Laudato Si).
– A conversão sinodal (Constituição Apostólica Episcopalis Communio), que estrutura a função episcopal como a de “mestre e discípulo”, e reconhece a participação de todos os batizados que integram o Povo de Deus e que receberam o Espírito que nos faz “infalíveis in credendo” (EC 5,3; 20).
“O processo de conversão ao qual a Igreja é chamada implica desaprender, aprender e reaprender. Este caminho exige uma visão crítica e autocrítica que nos permita identificar aquilo que devemos desaprender, o que prejudica a Casa Comum e seus povos. Temos a necessidade de percorrer um caminho interior para reconhecer as atitudes e mentalidades que nos impedem de nos conectarmos conosco mesmos, com os outros e com a natureza” (IL 102).
O Sínodo não deve contentar-se em tratar esse ou aquele sintoma da situação eclesial. Devemos transformar nossa mentalidade. É preciso ir às causas. Necessitamos olhar e atuar de maneira diferente, com mais Evangelho e com o sentido de Pentecostes. “A cosmovisão dos povos indígenas amazônicos inclui o apelo a libertar-se de uma visão fragmentária da realidade, que não é capaz de entender as múltiplas conexões, inter-relações e interdependências” (IL 95).
Este olhar diferente exige uma Igreja em saída missionária desde e para as periferias, superando a mentalidade colonizadora em busca de uma “encarnação mais real para assumir diferentes modos de vida e culturas” (IL 113). Essa encarnação mais real do rosto amazônico da Igreja “encontra sua expressão na pluralidade de seus povos, culturas e ecossistemas […], em todas suas atividades, expressões e linguagens” (IL 107). O Instrumentum Laboris cita o Documento de Santo Domingo: “a meta de uma evangelização inculturada será sempre a salvação e libertação integral de um povo ou grupo humano determinado, que fortalecerá sua identidade e confiança em seu futuro específico, criando oposição aos poderes da morte” (DSD 243, citado em IL 107). Em Porto Maldonado, o Papa Francisco se dirigiu aos sujeitos dessa enculturação: “necessitamos que os povos originários moldem culturalmente as igrejas locais na Amazônia” (Fr.PM).
Ao propor aos povos amazônicos como sujeitos da inculturação, assumimos a orientação do Papa Francisco para “superar a rigidez de uma disciplina que exclui e distância, por uma sensibilidade que acompanha e integra” (IL 126b; AL, 297 e 132).
Na Amazônia, como consequência das grandes distâncias, mas também por causa de uma teologia local e do povo de Deus, tudo aponta para uma “saudável «descentralização» da Igreja” (IL 126d; EG 16), que exige “o passo de uma «pastoral de visita» para uma «pastoral de presença», para reconfigurar a Igreja local em todas as suas expressões: ministérios, liturgia, sacramento, teologia e serviços sociais” (IL 128). Mas, para chegar a uma Igreja com rosto amazônico “espera-se uma pastoral específica, missionária e profética” (IL 132), com a paresia do Espírito.
Desde uma Igreja acolhedora da diversidade (IL 112,124) propomos uma encarnação mais real em todas as atividades, expressões, linguagens (IL 107) que abandone uma tradição colonial monocultural, clerical e impositiva para assumir, sem medo, as diversas expressões culturais (IL 110, cf. EG 184, EG 40).
Tendo em conta que a Igreja remodelou os ministérios ao longo de sua história, atendendo às transformações socioculturais, “Amazônia: novos caminhos” nos impulsiona a dialogar com as comunidades amazônicas sobre os diversos ministérios eclesiais e dos povos indígenas para o serviço da vida.
É necessário passar de uma pastoral de visita para uma pastoral da presença, com ministros autóctones, de modo que a Igreja seja uma Igreja com rosto amazônico, em diálogo estreito com as culturas e religiões dos povos.
Este simpósio sugere ordenar para o ministério presbiteral a homens casados, com experiência cristã, que sirvam a comunidade desde sua profissão e vida familiar e possam celebrar a Eucaristia, a penitência e a unção dos enfermos em sua comunidade. Se pede que “em vez de deixar as comunidades sem Eucaristia, se mude os critérios para selecionar e preparar os ministros autorizados para celebrá-la” (IL 126c).
Apreciamos o celibato como um carisma a serviço da Igreja. Ao mesmo tempo somos conscientes que sua obrigatoriedade para o ministério presbiteral é uma lei da Igreja Latina. Também constatamos que na mesma Igreja Latina foram outorgadas dispensas para ordenar homens casados. Por tanto, considerando as necessidades da Igreja na Amazônia, deveriam ser admitidos ao ministério presbiteral não apenas celibatários, mas também homens casados.
De escuta da realidade amazônica, evidencia-se a missão indispensável que têm as mulheres. Portanto, é urgente para a Igreja identificar o tipo de ministério oficial que pode ser conferido à mulher, tomando em conta o papel central que hoje desempenha na Igreja amazônica. (cf. IL 129 a3). Nesse sentido, propomos que se reconheça sua liderança, promovendo diversas formas ministeriais de exercício e autoridade, e em particular se retome a reflexão sobre o diaconato das mulheres na perspectiva do Vaticano II. (cf. LG 29, AG 16 IL 129 c2). Com obstinada esperança, confiamos que as dissertações sinodais contribuam para promover a dignidade e igualdade da mulher na esfera pública, privada e eclesial (IL 146).
Com respeito à relevância da Igreja local para a Igreja universal, o IL segue as considerações da EG: “Não defendemos «um projeto de alguns poucos para poucos ou de uma minoria ilustrada» (EG 239)”. No diálogo construímos «um acordo para viver juntos um pacto social e cultural» (ibidem). Para este pacto, a Amazônia representa um pars pro toto, um paradigma, uma esperança para o mundo (IL 37). As principais questões da humanidade se tornam evidentes na Amazônia. “A Amazônia nos convida a descobrir a tarefa educativa como um serviço integral para toda a humanidade em vista de uma cidadania ecológica” (LS, 211) (IL 96). A Amazônia é um lugar de macroparentesco: tudo está conectado, toda humanidade é uma família (cf. IL 20ss).
Concluímos recordando uma das propostas finais do Instrumentum Laboris: “Dadas as características próprias do território amazônico, sugere-se considerar a necessidade de uma estrutura episcopal amazônica que leve adiante a aplicação do Sínodo” (IL 129 f 3).
“Senhor, se és tu, envia-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água.” (Mt 14, 28)
Paulo Suess