A acolhida de Jesus é abertura ao outro. Concretamente.
Muita gente se sente atraída por esportes radicais, como descer cachoeira perigosa em uma pequena canoa, enfrentar noites em florestas desconhecidas ou escalar montanhas arriscadas. Na humanidade há algo que desperta em nós esse gosto pela aventura.
Infelizmente, a maioria das pessoas liga religião com tradição e costumes enraizados. No entanto, a fé bíblica se resume em uma revelação de Deus e um chamado a encontrá-lo e a viver o seu projeto. A revelação é gratuita e amorosa. No entanto, ela se dá no deserto (é interessante que a maioria das religiões nasceu no deserto), em lugares distantes e que exigem aventura para se fazer o caminho. E Jesus nasceu em uma aldeia da periferia do mundo e em uma manjedoura que nem sempre é fácil reconhecer. Atualmente, estou convencido de que para se viver a fé judaico-cristã de forma profunda e consciente, é preciso ter certa vocação para aventuras radicais.
Nesse Brasil bolsonariano, para mim, viver a fé cristã significa nadar contra a corrente e assumir a profecia do amor e da solidariedade em meio a uma sociedade que escolheu o ódio como paradigma político.
As Igrejas antigas celebram hoje a antiga festa de Natal do Oriente e que ficou com o nome primitivo de “festa da Epifania”, termo grego que significa “manifestação do Senhor”. Como sempre, a festa revela a atualidade da manifestação de Deus, mas também o seu chamado para irmos aos presépios e manjedouras da vida onde ele quer nos encontrar.
Em muitos lugares do mundo, como no Catolicismo popular brasileiro, o povo chama de “festa dos reis magos” por causa do evangelho lido nessa festa que conta a visita dos magos a Jesus recém-nascido (Mt 2, 1- 12). Em várias regiões do país, as folias, reizados e pastoris procuram retomar as narrativas do evangelho e atualizá-las para nossa realidade.
Cada um de nós vive uma busca interior. Uns (umas) com mais intensidade e coragem. Outros/as deixam sua busca meio adormecida e se acomodam. Deixam-se levar pela banalidade do dia a dia… sem tantas questões e sem ousar novas interrogações. Alguns nem percebem mais que têm essa busca interior e, no entanto, ela é quem dá sentido à nossa vida. As folias e reisados lembram a todos que temos de retomar o tempo todo nossa peregrinação….
A história dos magos é uma parábola, midrash da tradição cristã, escrito a partir dos textos judaicos, mas ele nos interpela a pensar que estrelas Deus tem nos enviado até agora em nossas vidas.
Conforme o evangelho de Mateus, os magos são os primeiros a adorar Jesus. O evangelho não diz quantos eram. A tradição os coloca como três. Pinta um deles como negro e uma tradição oriental estampava um deles como uma jovem mulher. Tudo isso é interessante para simbolizar a universalidade desse encontro macro-ecumênico: Jesus menino e os magos.
Jesus se abriu aos magos que teriam vindo do Oriente como sacerdotes de religiões que adoravam a natureza. Eles representavam o que hoje em dia seriam os babalorixás, ou pais de santo.
No caso do evangelho (Mt 2, 1 – 12), comumente os padres e pastores fazem uma leitura inclusiva, mas ainda de caráter etnocêntrica e até dogmática: Os magos teriam vindo de longe para adorar a Jesus, portanto para ser cristãos.
Dizem que o Cristianismo é uma religião universal, aberta a todos e acolhe a todos mas, em uma linha inclusiva. Isso significa que todos são chamados a ser cristãos. (A casa está aberta, mas para vocês virem aqui). Uma leitura mais profunda do texto poético, parabólico de Mateus pode nos levar a uma interpretação mais aberta e pluralista. A acolhida de Jesus é abertura ao outro. Concretamente, Belém e o presépio se tornam, hoje, lugares que simbolizam um encontro de culturas e de religiões e não apenas o outro que entra na nossa. Desde muito jovem, me senti marcado por essa festa litúrgica. Provavelmente, foi em uma celebração da Epifania, quando era jovem monge, que descobri que Deus me chamava para ser testemunha da abertura universal do seu amor a todas as culturas e religiões. Nesse caminho, as instituições religiosas funcionam como pousadas e estalagens. Às vezes, cômodas ou às vezes muito incômodas.
Essas pousadas podem ser úteis para nos confirmar a estrada que São João da Cruz chama de “caminho na noite escura da fé”. Nas pousadas ou hotéis que são as instituições religiosas, muita gente se acomoda, se torna “importante” e desiste de caminhar. Manter-se na estrada implica aceitar ser pequenino, desprotegido e quase sempre marginal… Nem todo mundo topa isso. Conforme os evangelhos, a Igreja não deveria ser a pousada e sim o grupo que caminha juntos. Por isso, é assembleia (Igreja) e não templo ou em si religião. O templo e os elementos religiosos podem ser expressão, mas serão sempre pousadas provisórias do caminho juntos. O caminho é guiado pela estrela e não pela pousada.
Ver a presença divina em Jesus, menino recém-nascido e pobre na periferia do mundo é reconhecer essa presença em todo ser humano, principalmente no mais empobrecido. Ao oferecer a Jesus o ouro, os magos como que profetizam o reconhecimento da dignidade e do valor inestimável de todo ser humano ali representado naquele menino de Belém. Toda criança merece que se ponham a seus pés toda a riqueza do mundo. O incenso significa o desejo de que a vida dessa criança desabroche e se eleve até Deus. Todo ser humano é chamado a ser divino, a se divinizar. A mirra é medicamento para aliviar os sofrimentos e significa que todo ser humano é frágil e merece um cuidado atencioso. O menino de Belém é símbolo de que Deus introduz no mundo uma nova magia: o que o papa Francisco tem chamado de misericórdia. É esse caminho que devemos retomar e reacender como luz da estrela nas estradas.
Marcelo Barros
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