É preciso conhecer a formação do Brasil e sentir-se parte de sua história para poder transformá-lo. Essas são algumas lições tiradas da primeira etapa do Curso Realidade Brasileira-Mato Grosso (CRB-MT), que ocorreu no sábado (29) e domingo (30). As atividades foram realizadas no Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário Prestes (Cecape), que fica no Assentamento Dorcelina Folador, entre os municípios de Várzea Grande e Jangada.
Lideranças de CEBs/Regional Oeste 2 estiveram presentes no curso, partilharam suas experiências e conheceram integrantes de várias organizações populares. Cerca de 80 pessoas participaram das atividades, que incluíram palestra, trabalhos em grupos, socializações, cantos, noite cultural e brincadeiras com as crianças.
Entre as organizações presentes estavam o Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público (Sintep), Instituto Caracol, Levante Popular, Consulta Popular, PT, Economia Solidária, Movimento dos Atingidos por Barragens (Mab), movimento negro, movimento indigenista, núcleos e grupos de pesquisa universitários e outros.
O CRB existe desde 2001 em nível nacional e começou em Mato Grosso em 2018. O objetivo central é capacitar lideranças de movimentos, sindicatos, universidades, ongs e pastorais para a construção de um projeto popular para o Brasil.
“Foi uma experiência única, porque pude me expressar como uma cidadã brasileira. Pude adquirir conhecimento e refletir sobre os temas abordados com a base teórica vista. Foi muito gratificante estar com companheiros dispostos a fazer uma nova civilização como sujeitos a defender nossa nação, a defender nossa liberdade de expressão e desenvolver uma força renovadora para nossa sociedade”. Palavras da jovem Dayara Jamilly, que mora no município de Jangada e foi convidada pelas CEBs.
Já Carmen Melo, que atua nas CEBs em Cuiabá e também é da Economia Solidária, destacou a importância estratégica do CRB. “O conhecimento é muito importante para que possamos ter argumentos com fundamentos para podermos fazer os enfrentamentos com essa burguesia insubordinada e desinformada do seu próprio país. Tudo que aconteceu nessa terra com seus habitantes que já estavam aqui foi de caso pensado e a opressão sempre esteve dentro desse processo de construção do povo, onde a elite dava as ordens. Temos que criar consciência crítica através de formação e informação com aprimoramento teórico e prático para darmos um passo de qualidade com uma visão de mundo e provarmos que a democracia possa acontecer em todos os sentidos nesse país de todos”.
Darcy Ribeiro e Paulo Freire
No primeiro dia foram apresentadas as ideias do antropólogo Darcy Ribeiro. Quem fez esse trabalho foi o professor Audi Nestor de Souza, do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ele também é presidente da Associação dos Docentes da UFMT (Adunemat). Já no segundo dia foi a vez de conhecer as ideias do pedagogo Paulo Freire sobre educação popular. Quem conduziu essa parte foi a professora Mirian Toshiko Sewo, do Departamento de Psicologia da UFMT.
Em geral, Darcy Ribeiro fala sobre como os povos indígena e negro foram massacrados na colonização do Brasil. Essa violência foi cometida pelos europeus e com apoio da igreja católica. Isso gerou uma mistura entre brancos, indígenas e negros que provocou uma falta de identidade, porque ninguém quer ser fruto da violência. Saber disso nos ajuda a entender os preconceitos e o medo de tomar as rédeas da própria história. E também ajuda a saber como valorizar o povo, sua criatividade e esperança de viver.
Já Paulo Freire foi um grande educador. Desde os anos 50 ele buscava formas de mostrar à população pobre que as riquezas eram resultado do trabalho das mãos calejadas. E descobriu que a melhor forma de fazer isso era pelo diálogo sincero, valorizando o que cada um fala. Assim ele incentivou muita gente a refletir sobre a própria vida e perceber que é preciso juntar as forças para vencer a opressão e transformar a realidade. Por causa disso foi expulso do país na ditadura, mas voltou em 1980 para se tornar uma das maiores referências em educação popular do país, com reconhecimento internacional.
“Estudar Darcy Ribeiro e Paulo Freire é fundamental para compreender o povo brasileiro. Eu já tinha ouvido falar da formação do CRB-MT e, agora, participar com companheiros de luta, fica muito mais gratificante. Saí convicto de estar num curso com companheiros que estão comprometidos com uma formação para a vida, para nosso cotidiano a ser inserido nas nossas comunidades”. Palavras de Dejacir Costa Almeida, coordenador das CEBs da arquidiocese de Cuiabá e atuante em Jangada.
Entusiasmo compartilhado por Rosenil Conceição, da equipe de comunicação popular das CEBs da arquidiocese de Cuiabá. “O CRB é um momento importante de formação, pois podemos perceber que não estamos sozinhos na caminhada por uma sociedade mais justa e democrática”, disse. “Como CEBs é importante a gente participar deste curso, pois o povo de Deus precisa contribuir nessa caminhada”, acrescentou.
Também integraram a equipe das CEBs Deize da Costa Almeida, de Jangada, Gibran Lachowski e Ana Paula Carnahiba, da assessoria de comunicação do Regional Oeste 2, e Samuel, de dez anos, que é filho da Rosenil e sempre participa das atividades.
Símbolos
O MST é uma das organizações sociais mais empenhadas na realização do CRB. A própria construção do centro de formação é resultado de pressão do movimento junto ao governo Lula, em 2005. O local homenageia Olga Benário Prestes, militante comunista alemã que lutou contra o fascismo no Brasil nos anos 30. Foi deportada grávida para morrer num campo de concentração na Alemanha. Seu exemplo ficou, assim como a filha Anita cresceu e há décadas atua nas lutas populares.
O assentamento onde está o Cecape também homenageia uma lutadora. Dorcelina Folador participou das pastorais da Juventude, da Terra e Familiar, das CEBs, foi líder do MST e prefeita de Mundo Novo (MS). Foi assassinada em 1999, mas vive entre nós.
O CRB-MT tem mais cinco etapas, até novembro. O próximos temas serão: Formação social e econômica do Brasil; Patriarcado e racismo no Brasil; Questão agrária, luta pela terra e Formação socioeconômica em Mato Grosso; Questão urbana no Brasil; Revolução brasileira e projeto popular.
“São temas básicos para a formação da militância. Não podemos ficar só nas lutas específicas de cada movimento”. Foi o que mencionou Antônio Carneiro, da direção do MST/MT. “É preciso juntar as forças dos setores de esquerda e progressistas para articular um projeto econômico, social, cultural e político de caráter popular”, finalizou.
Fotos (Dejacir Almeida Costa, coordenador das CEBs da arquidiocese de Cuiabá/MT); texto (Gibran Lachowski e Ana Paula Carnahiba, da assessoria de comunicação das CEBs/Regional Oeste 2)
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