“O que me define é ser cristão, discípulo de Jesus e isso eu só sou ou só consigo me tornar à medida que sou humano.”
Hoje, 24 de outubro, é aniversário do dia em que fui ordenado presbítero (padre) por Dom Helder Camara, então arcebispo de Olinda e Recife, em 1969. Hoje, entro no 50° ano do meu ministério. Naquele dia, fui ordenado junto com o irmão Beda Holanda e junto com Sílvio Milanês que foi na mesma ocasião ordenado diácono (ambos já partiram para outra dimensão da vida). Era monge no Mosteiro de Olinda e compreendia o meu ministério principalmente como celebrante da eucaristia e como aconselhador e acompanhador espiritual de pessoas. Dom Helder me ajudou a tornar o meu ministério um serviço ecumênico de confirmação dos irmãos e irmãs na fé e no amor. Principalmente, aprendi que o meu modo de ser discípulo e seguidor de Jesus tem de ser no discipulado do reino de Deus, bem mais amplo do que a Igreja e com uma dimensão social e política que na época em que fui ordenado, não compreendia.
Na relação ecumênica, aprendi a superar uma compreensão sacral do presbiterato compreendido como sacerdócio. Aliás o Concílio Vaticano II preferia sempre usar o termo “ministério presbiteral”. Os conservadores reintroduziram nos documentos do Vaticano o conceito de “sacerdócio ministerial” e dizendo ser esse de natureza essencialmente diferente do sacerdócio real de todas as pessoas batizadas. Pessoalmente, agradeço a Dom Helder ter me ensinado a de um lado amar e valorizar a graça do meu ministério, mas, sobretudo a nunca aceitar usá-la como instrumento de poder ou de privilégio. Desde meus primeiros tempos de padre, nunca neguei ou escondi minha vocação ministerial e função, ao mesmo tempo, nunca usei o título como um médico se chama Dr João ou Dr José. Sempre preferi me chamar simplesmente de Marcelo ou quando as pessoas querem usar algum título que seja irmão (jamais o título dos beneditinos Dom que vem do império e era título de honra).
A um amigo que, recentemente, me questionou por que quando me apresento em certos ambientes não digo logo que sou padre, respondi porque não é ser padre que me define. O que me define é ser cristão, discípulo de Jesus e isso eu só sou ou só consigo me tornar a medida que sou humano. Então, prefiro que as pessoas me conheçam simplesmente como pessoa humana, possam se relacionar comigo como simples pessoas humanas e aí sim testemunho que sigo Jesus como mestre de vida e nesse seguimento vivo essa função que é o presbiterato, compreendido como missão de confirmar os irmãos no caminho do amor e se for o caso da fé no reino de Deus (em seu projeto para esse mundo), seja na Igreja. seja fora dela, na sociedade civil.
Atualmente, o papa Francisco tem repetido muito que o Clericalismo é uma doença perigosa e que deve ser evitado. Percebo ao meu redor que isso é verdade, mas que é estrutural, isso é, na atual forma como a Igreja Católica (e mesmo outras) é organizada, o clericalismo faz parte essencial da compreensão do ministério. Ainda se divide a vida em natural e sobrenatural, ainda se vê diferença entre sagrado e profano. Assim sendo, não há como não separar o leigo e o clérigo. E ver a esse como proprietário do poder sagrado de administrar sacramentos.
Espero ainda antes de morrer, retomar a Igreja simples do Novo Testamento, especificamente a Igreja do carisma do discípulo amado, descrita no quarto evangelho, onde não aparece nunca qualquer distinção entre apóstolo e discípulo e onde os sinais de Jesus são vividos no dia a dia da vida e a eucaristia consiste sim na ceia mas começa pelo lava-pés uns dos outros.
Que nesse jubileu de 50 anos no qual entro nesse dia e completarei daqui a um ano, Deus me dê a graça de viver isso e de aprofundar cada vez mais esse caminho na alegria da fé e na possibilidade de servir ao povo de Deus, principalmente aos mais empobrecidos (pobres da periferia, lavradores sem terra ou pequenos lavradores, índios, comunidades afrodescendentes, população de rua, etc) que são os pequeninos prediletos do coração de Deus e que devem ser também os meus (prediletos). Já o são, mas peço a Deus a graça de que sejam cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais e mais, até que meus pedaços de egoísmo e de ilusão de vaidade possam ir cada vez mais desaparecendo e um dia, eu possa dizer como o apóstolo Paulo: “Já não sou eu que vivo. É o Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).
Marcelo Barros.
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