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Marco Temporal, Não! Armas de fogo, Não!

O principal fato desta semana, sem dúvida, está sendo a manifestação indígena em Brasília. Contesta o Marco Temporal para demarcação de seus territórios, em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Nunca é por demais lembrar que os indígenas são os que mais direitos têm sobre as terras brasileiras, direitos reconhecidos pela Constituição nos seus artigos 231 e 232. É bom ler. A própria palavra “demarcação” já traz uma ideia de confinamento, de limitação. Os brancos querem decidir onde os povos originários poderão exercer sua cultura e seu estilo de vida. Enquanto uma parcela da população procura aprender dos povos tradicionais formas diferentes e muito sábias de convivência com o ambiente natural, preservando-o para futuras gerações, talvez a maioria da população branca ignora isso e ainda considera os indígenas como gente atrasada, sem cultura, por não procurar inserir-se no seu projeto expansionista, desenvolvimentista e selvagemente capitalista, já hegemônico em grande parte do mundo dito civilizado. Nesse modo de pensar, os indígenas devem, portanto, ser convertidos, incorporados, adestrados para que adotem formas de vida que lhes são impostas pelos brancos dominadores, ou até mesmo serem eliminados. O território, como garantia de sua autodefinição e estilo saudável de vida, é a primeira condição para sua sobrevivência material, intelectual e espiritual. Todos os povos têm direito à preservação territorial e cultural, conforme a OIT (Organização Internacional de Trabalho) e como acordado na sua Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais. Viver em harmonia com a natureza e com outras formas e expressões de cultura deve ser a perspectiva de futuro. Além de lutar por seus direitos ancestrais, a luta indígena visa impactar na preservação e conservação do ambiente natural, ameaçado pela economia superexploradora e destruidora da “Mãe Terra”.

Mega protesto como este no Planalto, que reuniu mais de 6.000 guerreiros de 176 nações indígenas, nunca foi visto antes na história do Brasil. Além do DF, as manifestações ocorrem também em vários Estados. É importante dar o máximo apoio e visibilidade possível às culturas (no plural!) indígenas, porque representam interesses de toda a população terrestre.

O argumento de que há muita terra para pouco índio, além de ser idiota, pode ser contestado até numericamente em alguns lugares com mais conflitos. Exemplificamos: No Mato Grosso do Sul, 225 ha são reconhecidos como território Guarani, que tem como densidade populacional 27 habitantes por km2. Enquanto isso, em todo o Estado, a densidade populacional é de apenas 6 habitantes por km2, ou seja 4,5 vezes menos[1]. E os pouco mais de 50 mil proprietários das extensas fazendas têm mais de três vezes de terras no País do que os quase um milhão de indígenas. Falando em pouca gente em muita terra… é bom rever este conceito[2].

Os apoios do agronegócio produtor de soja, milho, algodão, eucalipto, cana e gado, ao governo Bolsonaro, têm como principal motivo o desejo de avançar sobre as terras indígenas e de proteção ambiental. Contam para isso com sua poderosa bancada na Câmara Federal, especialmente articulada no Centrão. Há perspectivas de diversos partidos da direita centrista, pequenos inclusive, de se aglutinarem num partido só, que poderia se tornar o maior partido com cerca de 170 deputados. Manter Bolsonaro no poder e se possível num 2º mandato, seria um dos seus objetivos. No entanto, ficando dentro das linhas da Constituição, será complicado alcançá-lo e cada vez menos deputados se mostram dispostos a entrar neste barco furado à deriva.

Há um temor, não de todo injustificado, de que os seguidores de Bolsonaro – chamados às vezes de “gado”, por acompanhar acriticamente as loucuras obviamente patológicas do presidente – estariam organizando manifestações maciças no próximo dia 7 de setembro, quando o País celebra sua hipotética independência. Por outro lado, está em curso a organização do Grito dos e das Excluídas/os. Confrontos entre os manifestantes poderão ocorrer. Um grupo fortemente armado e guiado pela insanidade e demência, e o outro tentando pacificamente mostrar sua profunda discordância com os rumos políticos, econômicos e sociais decididos pelo desgoverno de plantão.

No primeiro grupo, encontramos forças altamente armadas. Mas, depois do discurso do general Paulo Sérgio Nogueira, chefe do Exército, no dia do Soldado esta semana, há muito pouca probabilidade de os militares apoiarem uma eventual tentativa de golpe. O general elogiou as virtudes de Duque de Caxias, tradicionalmente, mas não inconteste chamado de “pacificador”. O general fez questão de enfatizar características que justamente faltam ao presidente[3]. Presente na cerimônia, Bolsonaro saiu sem reagir, caladinho, percebendo não poder contar com o apoio das Forças Armadas numa eventual ruptura institucional.

Quem então apoiaria o presidente? Não há dúvida de que a maioria dos civis que procuram se armar com armas de fogo, são os que apoiam as políticas de desmonte e destruição do País. Em apenas três anos, o número de armas nas mãos de civis dobrou entre 2017 e 2020. O site El País fala em mais de dois milhões de armas pessoais, e inclui nisso aquelas nas mãos de policiais e militares, não contando, portanto, de suas armas de serviço[4]. O site do G1, por sua vez, fala em 1,2 milhões de registros de armas na Polícia Federal[5]. Vários dispositivos legais já foram propostos ou aprovados, durante o atual mandato, facilitando aquisição, posse e porte de armas e munições.

De qualquer forma, existe um exército paralelo bastante grande e indisciplinado para fazer arruaças e contando com pouca resistência. Ouvimos há alguns dias a informação da demissão pelo govenador Doria do coronel da PM Aleksander Lacerda, comandante do Policiamento do Interior em Sorocaba, que criticou o presidente do Senado em não aceitar abrir o processo de impeachment contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes. Militares e policiais, pela Constituição (art. 84), são proibidos de se manifestar sobre questões políticas e partidárias. Essa proibição foi ratificada e normatizada pelo Decreto Presidencial nº 4346/2002, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso[6]. Cabe-lhes, pois, respeitar e obedecer à Lei Maior, a Constituição Brasileira.

Além dos já identificados promotores da proposta de golpe – o cantor Sérgio Reis e o já preso presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson – os recursos financeiros seriam disponibilizados pelo agronegócio e à frente dele, Antônio Galvan, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, a Aprosoja[7]. “O agro é pop, o agro é tech, o agro é tudo. Agora o agro também é golpe”. Para não ter dúvidas de que o setor tem interesse em manter Bolsonaro no poder, citamos: “Nos últimos dois anos, Bolsonaro destinou mais de R$ 121 milhões para associações, sindicatos rurais e cooperativas ligadas ao agronegócio, segundo levantamento que fizemos no Portal da Transparência. Sem licitação, e desobedecendo a legislação em vigor válida para todos, patrocinou mais de uma dúzia de feiras e eventos do setor, como a Agrotec Show Feira Agrotecnológica de Negócios, no Mato Grosso, e a 51ª Exposição e Feira Agropecuária de Castanhal, no Pará”.

Noutro lado do mundo, continua se agravando dramaticamente a situação de guerra no Afeganistão, agora com a entrada em cena de grupos mais radicais do que os Talibã e seus concorrentes, do Estado Islâmico[8]. Mais violentos e mais radicais, estes dois movimentos já mostraram esta semana que não irão brincar. Já começaram a executar atos terroristas. Seu propósito, há muitos anos, é conseguir o domínio sobre um território, qualquer que seja, não conseguiram na Síria, como base para suas ações terroristas pelo mundo afora. Como na Idade Média, as Cruzadas eram empreendidas em nome de Deus para ocupar territórios e livrá-los do Islã, como as Missões eram usadas para erradicar as religiões pagãs, assim a interpretação fundamentalista do Al Corão se insere no mesmo tipo de pensamento. Mas, como Cruzadas e Missões, escondem interesses políticos e econômicos. Em nosso país, ainda assistimos a perseguições e intolerâncias com religiões e culturas não cristãs. A religião – que deveria unir as pessoas – é usada frequentemente como força divisora, não sem implicações graves social e economicamente.

Precisaríamos ainda falar sobre os temores do grande infectologista Nicolelis, que prevê uma terceira onda do coronavírus – variante Delta – no Brasil. Ou sobre a viagem de Lula pelo Brasil afora, com muito sucesso, preparando a reação popular ao desgoverno atual. Mas por conta do nosso espaço, isso ficará para outro momento.

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).


[1] http://www.ihu.unisinos.br/612378-terras-indigenas-nao-comprometem-areas-disponiveis-e-producao-agropecuaria (Acesso em 2021/08/27)

[2] https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-25/terras-indigenas-nao-comprometem-areas-disponiveis-e-producao-agropecuaria.html (Acesso em 2021/08/28)

[3] https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2021/08/25/paulo-sergio-nogueira-do-exercito-diz-que-bolsonaro-e-o-comandante-supremo-das-forcas-armadas.html (Acesso em 2021/08/26)

[4] https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-15/brasil-duplica-o-numero-de-armas-de-fogo-nas-maos-da-populacao-em-tres-anos.html (Acesso em 2021/08/27)

[5] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/07/15/brasil-dobra-o-numero-de-armas-nas-maos-de-civis-em-apenas-3-anos-aponta-anuario.ghtml (Acesso em 2021/08/27)

[6] Cf. Decreto 4.346/2002

[7] https://www.tvcomunitariadf.com/2021/08/22/quem-financia-o-golpe-do-dia-7/ Acesso em 2021.08.21)

[8][8] Conheça o ISIS-K, inimigo número um dos talibãs (msn.com) (Acesso em 2021/08/27)

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