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Medellin, Igreja Para Todos a Partir dos Pobres. Marcelo Barros

A partir de Medellín, surgiu no continente um novo modo de ser Igreja que se expressou nas comunidades eclesiais de base, nos grupos bíblicos, nas pastorais sociais e na inserção de uma parte das Igrejas na caminhada da libertação.


Há 50 anos, nessa data (06 de setembro de 1968), se encerrava a 2ª Conferência dos bispos católicos da América Latina e Caribe.

Ela ocorreu em Medelllín (Colômbia) e significou praticamente o nascimento de uma Igreja com cara latino-americana e caribenha. De fato, a Igreja Católica está presente no continente desde a colonização há mais de 500 anos, mas somente a partir de 1968 conseguiu deixar de ser uma Igreja europeia que parecia sempre estrangeira.

A conferência de Medellín teve como tema “A missão da Igreja no processo de transformação social e política da América Latina”. Pela primeira vez, um papa atravessou o Atlântico e Paulo VI abriu a conferência, dando aos bispos apoio e estimulando a que eles adaptassem o Concílio Vaticano II ao continente, mas indo além dele.

Na época, Dom Helder Camara e depois Dom Pedro Casaldáliga afirmaram: “Para a América Latina, Medellín foi um verdadeiro Pentecostes”.
Medellín se caracterizou por três temas fundamentais:
1. saber ler e interpretar os sinais dos tempos, como havia proposto o papa João XXIII. (Isso significa prestar atenção e inserir-se na realidade social, política e cultural de nossos povos).
2. A partir da situação de profunda desigualdade social e injustiça existente no continente, a Igreja deve sempre unir-se aos pobres, apoiar as suas organizações próprias e unir-se a eles na caminhada por sua libertação.
3. A libertação social e política dos povos e de cada pessoa não é apenas uma meta qualquer.

É etapa e sinal da salvação que Jesus veio trazer ao mundo. Por isso, os processos de libertação dos povos e das pessoas fazem parte intrínseca e essencial da missão da Igreja.

A missão da Igreja não é apenas religiosa, nem principalmente cultual. Em Medellín, os bispos nos ensinaram que a missão da Igreja é testemunhar e ensaiar no mundo o reino de Deus, isso é, o projeto divino de justiça e de paz. Entre muitas afirmações e propostas importantes, em Medellín, os bispos concluíram que a Igreja deve ser pobre, missionária e pascal, ou seja, como diz o papa Francisco “em saída”. Sua missão é servir como libertadora “de toda a humanidade e de cada ser humano por inteiro”(Cf. Conclusões de Medellin, 5, 15).

A partir de Medellín, surgiu no continente um novo modo de ser Igreja que se expressou nas comunidades eclesiais de base, nos grupos bíblicos, nas pastorais sociais e na inserção de uma parte das Igrejas na caminhada da libertação. De 1968 para cá, o mundo mudou muito. O Império norte-americano conseguiu invadir vários países. Ele provocou várias guerras, vendeu e usou suas armas. Matou uma boa quantidade de pobres, africanos, asiáticos e latino-americanos, considerados descartáveis.

Quanto à Igreja Católica, ela sobrevive a várias crises e escândalos de diversos tipos. No entanto, a traição mais séria dos eclesiásticos mais tradicionais não é em matéria de moral sexual. É questão de humanidade. O que está vindo à tona como omissão, ou conivência culpável de autoridades religiosas atesta uma insensibilidade em relação a vítimas inocentes. No entanto, revela um desvio mais profundo e radical: o afastamento do caminho do evangelho de Jesus. Esse não se interessou em fazer uma religião ou em deixar no mundo uma estrutura de poder que se auto-protegeria. Conforme o evangelho de Lucas, seu projeto, proclamado, em seu primeiro discurso público foi: “O sopro (Espírito) de Deus veio sobre mim e me enviou para trazer a libertação dos oprimidos, curar os doentes e proclamar um ano de graça (jubileu) de libertação para todos” (Lc 4, 16- 21).

No decorrer da história, os eclesiásticos reinterpretaram esse texto em um sentido espiritualizador. A cura se refere aos problemas interiores e a libertação é a salvação da alma. Aqui, o mundo pode continuar dominado pelos senhores do dinheiro e do poder. Infelizmente, ainda há eclesiásticos que, enquanto podem, lhes são muito próximos. Em séculos passados, muitos bispos e padres davam assistência espiritual aos senhores de escravos e, de vez em quando, eles mesmos recebiam alguns escravos como presentes. Essa forma de interpretar a fé e a espiritualidade se mantém muito forte seja no Congresso Nacional, onde está bem representada pela chamada “bancada evangélica”, como pelo comércio religioso, que cada dia é mais lucrativo. Agora, através dos 50 anos da conferência de Medellín e das crises pelas quais passa a Igreja, os cristãos e cristãs são chamadas a “ouvir o que o Espírito diz, hoje, às Igrejas”e “voltar ao seu primeiro amor” (Ap 2, 5- 7). Na Bíblia, o primeiro amor do povo foi o Êxodo, onde conheceu intimamente a Deus, em meio à caminhada da libertação. É preciso voltar a essa mística da caminhada libertadora.

Quando a Igreja passa a olhar apenas para si mesma e se preocupa apenas com suas atividades internas, se torna idólatra. Deixa de ser sinal de Jesus Cristo e apresenta uma imagem mesquinha e indigna de Deus. Ainda bem que, nas periferias, com ou sem apoio oficial, as comunidades e pastorais proféticas continuam obedecendo a voz do Espírito que sopra onde quer. Medellín foi um marco e precisamos lembrá-lo porque, em muitos casos, a nossa Igreja em 2018 parece que nem consegue ainda chegar ao que Medellín chegou em 1968. No entanto, é claro que, hoje, os desafios são outros e é urgente nos abrir ao que o Espírito diz hoje às Igrejas. Como disse Paulo, “onde houver espírito de liberdade, aí está o Espírito de Deus” (2 Cor 3, 17). ​

Por Marcelo Barros

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