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O agir das comunidades eclesiais de base no Mundo Urbano – Ser uma sementeira de lideranças

14° Intereclesial das CEBs
Tema: CEBs e os Desafios do Mundo Urbano
Lema: “Eu vi…, eu ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-los”. (Ex 3,7)
23 a 27 de janeiro de 2018, Londrina-PR

 

O AGIR DAS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE NO MUNDO URBANO

Ser uma sementeira de lideranças

 

Pe. Vileci Basílio Vidal
Assessor das CEBs

Há uma explosão urbana atualmente que interpela as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. Vivemos num planeta predominantemente urbanizado, onde 52% da população residem na cidade. Na América Latina já são 80% e no Brasil 84% que vivem nas pequenas, médias e grandes cidades. E o processo está em crescimento. Surgem as regiões metropolitanas que não é simplesmente uma cidade maior, mas um conjunto de habitat que inclui espaços naturais e agrícolas, para além de zonas urbanizadas descontínuas, ligadas por linhas de transportes e habitualmente fragmentadas funcionalmente, socialmente e institucionalmente. Neste tempo de globalização, um dos grandes desafios, dificuldades do mundo urbano têm sido anunciar o Evangelho e a realização da missão da Igreja.

O Papa Francisco na sua Evangelii gaudium (EG), afirma que deve “identificar a cidade a partir de um olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças” (nº 71). Não basta só um olhar sociológico para a cidade, é preciso também um olhar teológico.

A grande cidade é um novo sinal dos tempos para a evangelização. Mas foi nas grandes cidades que a Igreja primitiva se formou e se serviu delas para se expandir. Hoje para atender a proposta do Papa Francisco na Evangelii gaudium, a necessidade de uma Igreja em saída, temos que considerar quatro desafios: 1. Viver uma mudança de mentalidade pastoral; 2. Dialogar com o multiculturalismo; 3. Prestar atenção à religiosidade do povo; 4. Acudir os pobres urbanos. Ser uma Igreja samaritana que atrai pelo testemunho e assenta as suas raízes nas periferias geográficas e existenciais da megalópole.

Deus vive nas cidades. Por isso devemos contemplá-la a fim de conhecer melhor para amar mais e para poder auxiliar os seus citadinos a descobrirem nelas a presença de Deus. Pois, não podemos viver a proposta de Jesus Cristo se não em comunidade, porque a comunidade é Jesus Cristo vivo. Assim sendo, a cidade sem a Igreja ficaria privada de algo que é substancial. Não uma Igreja de presença institucional, mas uma Igreja “rede de relações fundadas no Evangelho”.

No tempo de Jesus, ninguém podia viver sem religião. Mas Jesus não quis fundar outra religião, não fundou nenhum culto e nem se opôs à prática religiosa do povo. Jesus quis ser fiel ao verdadeiro Israel e por isso esvaziou o sistema religioso. O anúncio de Jesus não se refere à religião, mas ao Reino de Deus. O Reino de Deus é a libertação do reino da dominação, da injustiça, da opressão. Trata-se de um mundo renovado, um mundo de justiça e fraternidade. Jesus veio não somente anunciar, mas para inaugurar um mundo novo. O problema é que já no século II, nasce uma religião que se apresentou como a religião de Cristo que depois passa a exaltar o poder dos reis e de todas as autoridades e esquecem os pobres.

Os pobres são os verdadeiros membros do Povo de Deus, oprimi-los é abandonar o projeto de Deus e fazer de uma religião o centro da vida social e pessoal. E não podemos esquecer que onde predomina o Deus dos Evangelhos, os pobres terão um lugar privilegiado. Pois, o Evangelho de Marcos explicita claramente que a mensagem do Reino é para os pobres, os pecadores, os oprimidos.

Jesus passa a ser tratado como objeto de culto, mais do que como companheiro na grande viagem da missão no mundo. A prioridade foi dada ao culto. “Que o cristianismo possa ser o caminho para mudar o mundo não cai na mente de quase ninguém. E no culto não há nada que se refira aos pobres. Os pobres desaparecem do horizonte cristão, a não ser pelas esmolas na porta da Igreja depois do culto” (COMBLIN, p. 189). O fundo cultural já é outro. Agora se trata de um Cristianismo espiritualizado, mais de salvação individual do que mundial. A Igreja assumiu o papel de religião do Império. Os cristãos tornaram-se multidões de suplicantes. Muitos fazem peregrinações aos inúmeros santuários para conseguir a cura das suas enfermidades e o perdão dos pecados.

Foi preciso esperar a metade do século XX para descobrir que os pobres estão longe da Igreja – o Concílio Vaticano II foi responsável por isso. Enquanto que na mensagem de Jesus e da sua obra, os pobres estão no centro. O Pai escolheu os pobres para realizar o seu Reino na terra. Por isso Jesus nasceu e cresceu no meio dos pobres, falou para os pobres, morreu como o mais pobre despojado de tudo o que é humano.

Não esqueçamos que os pobres continuam sendo a razão de existência das CEBs no mundo urbano, não porque são mais religiosos, mas porque são oprimidos; não porque são mais santos, mas pecadores. Pois, o projeto do Pai é realizar neste mundo uma humanidade de amor. E o fundamento da nova humanidade serão os próprios pobres, os chamados pecadores, os dominados, explorados, marginalizados das sociedades humanas.

Segundo José Comblin, “na revelação de Deus, os pobres são a esperança do mundo porque é por eles que se constrói o Reino de Deus. Eles são a verdadeira Igreja, independentemente da religião que praticam ou não praticam… A missão dos cristãos é proclamar essa mensagem no mundo inteiro para que todos os pobres colaborem” (IBIDEM, p. 201).

Por isso, a organização dos pobres é a chave para a mudança social. “Eu vi e ouvi a opressão do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3,7). O grito foi coletivo, foi um grito do povo, de muitos que sofriam. Javé ouviu… Antes, no entanto, os próprios oprimidos ouviram seu grito e tiveram resposta: a solidariedade de todos no grito. O papel das CEBs é ajudar esse povo oprimido a escutar o seu próprio grito no coletivo e semear a solidariedade. E a pergunta é: qual o grito que ecoa na periferia que possa canalizar um projeto de organização, de mudança da situação de miséria e opressão, que alimenta o desejo “ardente de ser feliz”?

Ao homem e à mulher da nova sociedade não bastam viver, eles querem viver bem, não querem apenas uma comunidade que lhe satisfaça as necessidades básicas, que lhe garanta a sobrevivência, mas que lhe propicie a vida virtuosa, a vida feliz, o “bem viver” expresso pela cultura dos indígenas. Portanto, a mobilização e a organização dos excluídos que gritam a uma só voz são em nome de um projeto maior de vida que exige das CEBs um movimento de libertação para se atingir o ideal: o objetivo do “bem viver” – o projeto do bem viver na cidade se concretiza através de ações da economia solidária, escolas comunitárias de complementação educacional etc., via associação de moradores e tantos outros caminhos.

Podemos traçar alguns passos necessários para uma tomada de consciência de uma organização popular, a partir da experiência do êxodo:

  1. A dor, a exploração e a vontade de dar um grito coletivo;
  2. O sonho de uma nova terra – ocupação do solo urbano na luta pela moradia;
  3. Paixão para buscar algo melhor, “o sonho ardente de ser feliz”;
  4. Um processo mínimo de mobilização e ampliação dos apoios às causas dos pobres;
  5. Produzir “armas eficientes” nesta organização; instrumentos de empoderamento político, como por exemplo: criar associações, os Conselhos Comunitários de Pastoral, celebrar a luta do povo, cantar os cânticos e poesias que expressam a caminhada do povo no movimento de libertação.

As nossas comunidades formadas por vizinhos e com pouca gente lá nas periferias das cidades, não podem deixar de lado a criatividade das pastorais sociais gestadas nas CEBs e a reflexão dos círculos bíblicos, pois, o seu papel é ser uma sementeira de lideranças para fortalecer a missão dos leigos na Igreja e na sociedade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Durval Ângelo. A organização dos pobres: chave para a mudança social. In: OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro (Org.). Opção pelos pobres no século XXI. 2ª edição. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 249-277.

COMBLIN, José. O pobre: critério para a profecia. In: OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro (Org.). Opção pelos pobres no século XXI. 2ª edição. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 2011, 180-201.

SISTACH, Lluís Martínez (Org.). A pastoral das grandes cidades. São Paulo: Paulus, 2016.

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