Quaresma, a vela acessa que derrama lágrimas quentes, ilumina, aquece e nos compromete

 

A Quaresma é, para muitos, um tempo de fechamento e de tristeza e também carregado de superstições. No entanto, a sua essência é ser um tempo de austeridade e penitência, sim, mas sem perder jamais a dimensão da alegria pascal.

“Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não vejam que tu estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto” (Mateus 6,16-18).

É certo que temos de fazer penitência, que o seguimento de Cristo nos pede renúncias dolorosas, em certas ocasiões; no entanto a alegria de nos assemelharmos a Jesus Cristo ressuscitado tem de produzir em nós um regozijo maior. A penitência quaresmal deve ter sempre uma dimensão de prazer e alegria. Por isso é importante resgatar-lhe seu verdadeiro sentido, dando-lhe uma dimensão mais pascal.

Seria muito interessante que a Quaresma pudesse ser para as comunidades cristãs, algo parecido com as escolas de samba e blocos de carnaval, é o tempo de treinamento e concentração necessários à grande festa do carnaval. Já desde o fim do carnaval deste ano, se prepara o próximo desfile. Como canta Chico Buarque: “quem me vê sempre parado, distante garante que eu não sei sambar… Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.  Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando e não posso falar… Tô me guardando pra quando o carnaval chegar”.

O Pe. Geraldo Leite, aquele do Recife, que já na década de 1970 orientava sua comunidade para gestos bem específicos de jejuns no tempo quaresmal:

1-     jejum da língua: evitar de falar o que não se deve. Fofocas, maledicências (primeira semana);

2-     jejum dos passos: evitar frequentar lugares inconvenientes a um bom cristão (segunda semana);

3-     jejum da vista: evitar novelas e certos programas de TV para participar
dos encontros durante a semana, via-sacra, caminhadas penitencias (terceira
semana);

4-      jejum do gosto: em comunhão com os que passam fome, evitar aqueles alimentos que
mais apreciamos, como doces, sorvetes (quarta semana);

5-      jejum do coração: buscar sempre o desapego das coisas que nos atrapalham de entrar no seguimento de Jesus Cristo (quinta semana).

Irmã Penha Carpanedo e Pe. Marcelo Guimarães têm uma explicação excelente para a Quaresma:

“Celebrar a Quaresma é festejar o refazer da aliança de Deus com a gente e que o nosso pecado e nossa negligência romperam. É renunciar aos nossos instintos egoístas e abrir-nos mais ao plano do Deus da vida. Celebrar a Quaresma é intensificar a oração, o jejum e a caridade, para vivermos mais consagrados ao Deus que nos reconciliou com ele. Celebrar a Quaresma é deixar-se conduzir ao deserto, para que o Senhor nos fale ao coração. É rever as linhas de conduta, corrigir os erros de trajetória, aprofundar a unidade entre nós. É assumir e reconhecer o negativo, a morte, o sofrimento, para vencê-los e superá-los. Como o grão de trigo que morre para nascer. Como a mulher que está para dar à luz e sofre as dores de parto. Como a uva que se esmaga para fazer o vinho que alegra a nosso coração.”

Portanto, quaresma é tempo de reascender a vela de nosso batismo e crisma, a vela da fé, para clarear a humanidade em suas “periferias geográficas e existenciais”, nossas realidades infernais, bem como por toda a criação, derramando lágrimas, suor e sangue, para que todos possam contemplar a beleza da claridade de um “outro mundo possível”, o reinado de Deus. Que a atenção, à Palavra de Deus, recebida com coração aberto na vida pessoal e na comunidade nos ilumine e nos provoque à conversão e às mudanças de atitudes, empurrando-nos ao compromisso libertário e transformador de todas as realidades que neguem a presença amorosa e cuidante do Deus de Jesus Cristo, o Pai e Mãe de misericórdia. Por PeNelito Dornellas