Quem vai ressuscitar este mundo que está morrendo?
Falar de Ressurreição é se deixar levar pela esperança, confiar na Vida a acreditar que aquilo que está ao nosso lado pode continuar com a gente para sempre, não só as pessoas como tudo o que faz parte de nossa Casa Comum.
O grande desafio que vivemos como cristãos, como católicos, é trazer para nossa realidade aquilo que Deus e a Igreja vão nos comunicando e, a partir de nossa reflexão, tentar viver e ser testemunhas que o Reino de Deus se constrói aqui e agora, no lugar onde a gente vive, no momento histórico que vivemos e junto com as pessoas que ficam em volta de nós.
Hoje quero falar de Ressurreição a partir de um ponto de vista global. O faço depois de refletir, junto com a Igreja do Brasil, sobre o Cuidado da Casa Comum, pano de fundo do tema da Campanha da Fraternidade proposto para este ano, que nos leva a pensar nos biomas brasileiros e na defesa da vida, fazendo ecoar a proposta da ecologia integral que o Papa Francisco nos propõe na LaudatoSí.
Uma música da banda espanhola “Brotes de Olivo” começa nos perguntando: “Quem vai ressuscitar este mundo que está morrendo? Quem vai cantar o aleluia da nova luz que está vindo? Quem quando olhar a terra e as tragedias observar, vai sentir no coração o dor de quem está morrendo?”
Não é fácil achar respostas a estas perguntas, mas podemos vislumbrar elementos que vão nos ajudar a descobrir por onde podemos caminhar. Um deles é a Espiritualidade do Bem Viver, assumir o modo de entender a vida que tradicionalmente acompanhou o devenir dos povos indígenas latino-americanos, que sempre entenderam o Espírito da Criação que aparece no livro do Gênesis, desrespeitado, desde o primeiro momento, na tradição judaico-cristã.
É surpreendente como os cristãos chegaram, e continuam chegando em alguns casos, para evangelizar e civilizar os silvícolas. Na medida em que vou conhecendo os pequenos detalhes do jeito de viver dos moradores originários da Amazônia me pergunto quem são os civilizados, e ainda mais, quem são os mais fiéis o Espírito do Criador e aquilo que a Bíblia nos diz sobre cultivar e cuidar da Criação.
Moro numa região onde a paisagem e a natureza têm se preservado secularmente, onde tem morado pessoas que são autênticos mestres em sustentabilidade, gentes que poderiam mostrar ao mundo como conviver em perfeita harmonia com o ambiente que temos em volta, um mundo frágil “interpela a nossa inteligência para reconhecer como deveremos orientar, cultivar e limitar o nosso poder” (LS 78), gentes que são exemplo de como ser “instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades” (LS 14).
Para realizar este cuidado é preciso “perspectiva que se estenda para além do imediato”, que não busque “um ganho econômico rápido e fácil” (LS 36). Aí encontra-se o grande inimigo da Amazônia, na ganância que alguns procuram a qualquer preço e que está devorando a região com a maior biodiversidade de nossa Casa Comum em grande velocidade, acabando com o trabalho de gerações e gerações, o que põe em jogo o futuro da humanidade, personagens a quem “parece não preocupar-se com o justo nível da produção, uma melhor distribuição da riqueza, um cuidado responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras” (LS 109).
Como cristãos devemos ser conscientes desses desafios, é uma missão a ser assumida como Igreja, como de fato tem pretendido a Igreja do Brasil na Campanha da Fraternidade desse ano, que deve fazer parte de nossa fé e de nosso trabalho pastoral cotidiano, fazendo dos que se dizem discípulo, autenticastestemunhas dessa ecologia integral que Francisco de Assis e de Roma nos propõem.
Para avançar nessa direção devemos nos aprofundar na visão comunitária da vida. O cristianismo é uma religião que tem sua base na comunidade, mesmo que a forma como foi se concretizando ao longo da história, especialmente nos últimos séculos, tem provocado a perda dessa dimensão comunitária.Nesse sentido, os povos indígenas e sua espiritualidade podem nos ajudar a retomar “um forte sentido de comunidade, uma especial capacidade de solicitude e uma criatividade mais generosa, um amor apaixonado pela própria terra” (LS 179), pois esses elementos são constitutivos de seu universo vital.
Os povos originários, com seu estilo de vida, na qual se prima pela convivência e comunhão e o cuidado mutuo, estão na frente no “que possibilita todo o cuidado dos outros e do meio ambiente” (LS 208), em como “tratar com desvelo os outros seres vivos” (LS 211), a entrar no caminho da conversão ecológica, que nos leva a “alimentar uma paixão pelo cuidado do mundo” (LS 216), sabendo que aquilo que desata nossas paixões sempre vai encontrar em nós um maior desejo de fazê-lo realidade.
O exemplo dos povos indígenas e os constantes chamados do Papa Francisco nos motivam a fazer realidade a cultura do cuidado, especialmente da natureza e dos pobres e podem nos ajudar a ressuscitar esse mundo que está morrendo e cantar com alegria o Aleluia dessa nova luz que está vindo com a Páscoa.
Pe. Luis Miguel Modino
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