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São Romero: “um testemunho que nos contagia de profecia.”

“Ainda quando nos chamem de loucos, ainda quando nos chamem de subversivos, comunistas e todos os adjetivos que se dirigem a nós, sabemos que não fazemos nada mais do que anunciar o testemunho subversivo das bem-aventuranças, que proclamam bem-aventurados os pobres, os sedentos de justiça, os que sofrem”

Na sala do formador, em 1987, encontrava-se pendurado um quadro com a imagem de um arcebispo que ele fazia questão de declarar santo. “É São Oscar Romero, mártir”, dizia. Durante todo o período de formação, no postulantado, enquanto Mateus fora formador, Romero fez parte da nossa caminhada, não só um quadro pendurado na parede, mas sua vida, história e espiritualidade. São Romero da América Latina!

Ao longo desses anos tive a graça de nutrir minha vocação e missão a partir da experiência de Romero, pois as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, onde nasci vocacionalmente, sempre se nutriram da memória dos mártires da caminhada. O arcebispo Romero foi assassinado porque teve a coragem de falar a incômoda verdade, inclusive ordenando aos Estados Unidos que deixasse de apoiar a repressão do governo militar salvadorenho. “Nenhum soldado está obrigado a obedecer uma ordem contrária à lei de Deus que diz: ‘Não matar’. Uma lei imoral não deve ser cumprida por ninguém. Soldados, em nome de Deus e no nome deste povo sofrido, cujos clamores sobem ao céu cada dia mais tumultuosos, lhes suplico, lhes rogo, lhes ordeno, em nome de Deus: cessem a repressão.”

Romero, como o bom pastor, que dá a vida pelas ovelhas, encarnou-se na vida do povo salvadorenho. Para isso teve que deixar para trás os privilégios e as honrarias que os poderosos proporcionavam. Preferiu banquetear-se com os pobres a aceitar o banquete de Herodes. Eles, os pobres, eram, para Romero, os bem-aventurados. “Se denuncio e condeno a injustiça é porque é minha obrigação como pastor de um povo oprimido e humilhado”, dizia.

A opção de Romero, claramente em favor dos pobres, não foi bem aceita nem mesmo pela hierarquia da Igreja, que olhava não como sendo uma opção cristã, mas comunista e marxista. A sua própria canonização ficou durante anos sem ser aprovada por causa da sua atuação pastoral. Para os papas anteriores, mas política e social do que cristã. Aos olhos do Papa Francisco, no entanto, Romero é mártir pela fé. A fé levou Romero a assumir a causa da justiça social. “Em tempos difíceis de convivência, D. Oscar Romero soube guiar, defender e proteger o seu rebanho, permanecendo fiel ao Evangelho e em comunhão com toda a Igreja. O seu ministério destacou-se pela atenção especial aos pobres e marginalizados”, disse o Papa.

Aquele que fora aplaudido pelas elites ao ser nomeado arcebispo de San Salvador em 1977, foi assassinado em 1980, pela mesma elite, por ser considerado subversivo. “Ainda quando nos chamem de loucos, ainda quando nos chamem de subversivos, comunistas e todos os adjetivos que se dirigem a nós, sabemos que não fazemos nada mais do que anunciar o testemunho subversivo das bem-aventuranças, que proclamam bem-aventurados os pobres, os sedentos de justiça, os que sofrem”, proclamou Romero em 1978, em uma de suas homilias.

Para o povo salvadorenho, para as Comunidades Eclesiais de Base, para os que comungam da Teologia da Libertação, Romero já era mártir e santo, independente da oficialização romana. Mas o que fez o Papa Francisco com a canonização de Romero, acredito, à semelhança do que fez Deus Pai ao ressuscitar o Filho, foi desautorizar os grandes e poderosos que o assassinaram. Romero tinha razão ao dizer: “O Evangelho me impulsiona a defender meu povo e em seu nome estou disposto a ir aos tribunais, ao cárcere e à morte.”

A Igreja da América Latina, que muito bem recepcionou o Vaticano II, é uma Igreja de Profetas e Mártires. Sobre isso, dizia Romero: “O martírio é uma graça de Deus, que não creio merecer. Porém, se Deus aceita o sacrifício de minha vida, que meu sangue seja semente de liberdade e sinal que a esperança se torna realidade. Um bispo morrerá, porém a Igreja de Deus, que é o povo, nunca perecerá.”

Para Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da prelazia de São Félix do Araguaia, celebrar o martírio de Dom Oscar Romero “é celebrar um testemunho que nos contagia de profecia.”

*Escrito por padre Antônio Júlio Ferreira de Sousa, missionário Redentorista, e originalmente publicado em Informativo Redentorista.

1 Comment

  • Luiz Krempel

    A objeção que faço ,ou fazia, antes do papa FRANCISCO é que nas comemorações dos 07\09 a igreja católica da época benziam com “água benta” os canhões…

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