Shadow

4o Domingo da Quaresma – Ano A

Por Quininha Fernandes Pinto,
do Regional Leste 1.

Leituras: 1Sm 16,1b.6-7.10-13a – Sl 22 – Ef 5,8-14 – Jo 9,1-41

No domingo passado meditamos sobre o tema da água e pudemos perceber que Cristo é água para a nossa sede. Hoje as leituras nos orientam para a constatação de que Ele é luz para as nossas trevas! Como a água, também a luz – com o seu oposto, a escuridão – é um dos símbolos fundamentais da existência humana e da reflexão teológica. No relato do Gênesis, Deus cria a luz e a separa das trevas, põe ordem e distinção no caos primitivo, e o torna um cosmos cognoscível e depois habitável.
O evangelista João nos oferece uma longa narrativa, cheia de nuances catequéticas, ao falar da cura de um cego de nascença, sina esta que era entendida como um castigo – dele mesmo ou de seus pais – e por várias vezes ele é interrogado sobre o ocorrido pois custava crer que isso tivesse acontecido. Muitas objeções fizeram para explicar a sua incredulidade… por ser um mendigo, por ser sábado e nesse dia não era permitida tal ação, por ser um pecador que o fizera, enfim… a não-aceitação do milagre feito por Jesus, por parte dos judeus é nítida pelas repetidas vezes que interrogaram o homem que fora curado e também seus pais.
O relato do cego de Siloé está estruturado a partir de fortes contrastes. Os fariseus acreditam que sabem tudo. Impõem a sua verdade, chegando a expulsar da sinagoga o pobre cego, dizendo o que o homem que o havia curado era pecador, e que infringiu a lei, curando-o num dia de sábado. O pobre homem que foi curado, pelo contrário, nada sabia! Apenas narra o que lhe acontecera. O relato termina com uma advertência de Jesus: “Eu vim para que os que não veem, vejam, e os que veem fiquem cegos”.
Acolher a luz, para os cristãos, é acolher Jesus. Acolher Jesus é acreditar na vitória da luz sobre as trevas, do bem sobre o mal, da vida sobre a morte. Acolher Jesus, nossa luz, é despertar para ver o que muitas vezes não conseguimos ver, ou não nos deixam ver, ou até mesmo não queremos ver… É algo semelhante ao que sucede com quem não quer retirar a catarata dos próprios olhos, e tenta buscar fora, a luz que não tem…terá primeiro que libertar a pupila, afastando aquilo que impede a sua visão.
Estamos vivendo momentos de extrema cegueira – quem puder leia ou assista “Ensaio sobre a cegueira” do escritor português José Saramago – no Brasil e no mundo. Estamos assistindo hoje a um fenômeno estranho: enquanto os olhos da ciência se tornam mais luminosos, tornam-se mais opacos os olhos humanos. Nossos objetivos científicos, econômicos, políticos são bastante precisos; atravessamos barreiras jamais violadas pelo olhar do ser humano; criamos cérebros eletrônicos para imaginá-los e impedir que nos percamos num labirinto tão vasto e complexo. No entanto, estamos todos reféns de um vírus que nos isola do mundo, do nosso trabalho, dos nossos amigos, das pessoas, até daquelas que mais amamos… literalmente isolados, trancafiados em nós mesmos, nos nossos medos, nas nossas casas, nas “trevas” que nos impedem de ver uma luz no fim do túnel! Quem neste momento não pediu a Deus “uma luz” para vencer tão grave situação???? Quem não se sentiu ou está sentindo-se perdido e “cego” neste labirinto ou deserto – cidades/países inteiros sem ninguém na rua – e quer realmente “voltar a ver”, enxergar o Outro, abraçar os amigos, almoçar com as pessoas, visitar seus pais, beijar os seus filhos???
Este momento, de uma cegueira mortífera, pode ser uma oportunidade ímpar que a vida nos oferece para nos curarmos! Esta clausura obrigatória pode nos fazer ver muitas coisas que não conseguimos ver no cotidiano da nossa apressada vida. Parar – ainda que desta forma – pode nos ajudar a ouvir a voz do nosso coração, o canto dos pássaros, o barulho da chuva, o pedido que a natureza nos faz para sermos mais contidos e respeitosos com ela. Parar pode nos ajudar a rever nossos valores e conseguir ver o Outro como alguém que como eu é fraco, limitado, sensível, incapaz e pequeno, necessitado do meu olhar. Parar pode me “fazer ver” o quanto eu sou insignificante diante do poder de Deus e da Natureza, sua obra, que estamos desrespeitando e destruindo. Parar… parar e ver! Aproveitemos para que esta parada nos ajude a ver melhor tudo isto, mas também aquilo que cada um esconde no fundo do seu coração, no mais íntimo do seu ser. Que o Senhor nos ajude! Coragem!

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