Shadow

A emergência da Política nas CEBs: memória do 4º Encontro Intereclesial – Itaici, 1981.

Pedro A. Ribeiro de Oliveira*

Apresentação

A Política, entendida como ação em favor de quem é prejudicado na repartição dos bens sociais, está presente nas CEBs desde seu nascimento. Ao longo dos encontros intereclesiais, porém, foi-se aprimorando como consciência e prática política. Basta lembrar que no 2º Intereclesial nem se mencionou a palavra capitalismo, apesar do bispo Pedro Casaldáliga protestar, enquanto no encontro seguinte já se dizia claramente que era hora de cortar a árvore do capitalismo pela raiz. Assim, foi no 4º Intereclesial que o tema da Política como busca do exercício do poder público em favor do bem comum tornou-se objeto de reflexão e debate entre os e as representantes de CEBs que participaram, em sintonia com quem assessorava.

O despertar pela leitura bíblica

Os trilhos sobre os quais caminham as CEBs foram colocados no 2º Encontro: a leitura da Bíblia a partir da vida do povo, e a participação igualitária dos membros na direção da comunidade. O 4º Intereclesial inovou ao destacar a ação transformadora da sociedade como motor das CEBs. Para isso foi fundamental a leitura do livro do Êxodo destacando o faraó. Até então a leitura focava a relação entre Moisés e o Senhor, enfatizando a escuta de Deus, a Fé de Moisés, a teimosia do Faraó, a origem da Páscoa, a incompreensão do Povo de Israel, e tantos outros temas de reflexão. Agora, porém, quem ocupa o lugar central é a relação entre o Povo – representado por Moisés – e seu opressor, o Faraó. Nesse conflito, Deus toma partido em favor dos escravizados: Ele não é um juiz neutro, mas se revela como quem está sempre ao lado de quem sofre opressão.

Não esqueço o entusiasmo da assembleia quando Fr. Carlos Mesters comentou o cântico de Débora, celebrando a derrota do Faraó com seus carros, cavalos e cavaleiros. Ele se referiu à alegria de um povo que não tinha armas ao ver a derrota do poderoso exército do Faraó! As mulheres cantaram e dançaram ao som dos tamborins, porque perceberam a ação de Deus em favor do seu Povo. E esse fato foi tão marcante, que talvez este seja o versículo mais antigo da Bíblia. Bastou ele completar essa reflexão com uma pergunta sobre quem é hoje o Faraó, para os olhos se abrirem para a Política como a luta contra quem hoje oprime o Povo de Deus.

Instrumentos da Política

O encontro foi realizado no ano da grande greve do ABC, em que toda Igreja de Santo André participou ajudando os e as grevistas. Esse fato mostrou para a classe trabalhadora que se não fossem mudadas as leis, todo ano ela teria que gastar suas energias fazendo greve para ter aumento de salário. E para haver leis favoráveis à classe trabalhadora é preciso ter o apoio de partidos, porque são eles os condutos adequados para atuar nos Poderes Executivo e Legislativo. Mas esta não era a visão da maioria dos participantes do Intereclesial. Eles desconfiavam dos partidos da época – ARENA e MDB, os partidos oficiais da ditadura –e só confiavam na luta de movimentos sociais, associações, sindicatos e das próprias CEBs.

Foi então o momento de Fr. Betto explicar, pedagogicamente, que assim como o povo sofre diferentes formas de opressão, precisa de diferentes ferramentas de luta. Partidos, movimentos sociais, associações, sindicatos e as próprias CEBs tem seu campo próprio de ação: o partido no campo das políticas públicas, os movimentos no campo das reivindicações específicas, os sindicatos no campo do trabalho, as CEBs no campo religioso. A partir daí a reflexão seguiu até que alguém sugeriu que todas essas ferramentas de transformação da sociedade são como fontes de água que alimentam as lutas. Cada uma no seu espaço, mas todas elas alimentadas pelo mesmo lençol de águas subterrâneas: o povo que toma consciência da opressão e se organiza para supera-la.

Resultado

O passo dado no Encontro de Itaicí foi decisivo para a definição das CEBs como comunidades – e não movimento! – de Igreja, que não se vinculam nem a partido político nem a qualquer outra organização da sociedade. Sua relação com essas outras organizações deve ser em forma de parceria, colaborando nas mesmas lutas contra as diferentes formas de opressão.

Essa orientação ficou bem clara para quem participou do Intereclesial, mas levou preocupação a setores eclesiásticos temerosos de verem as CEBs associadas ao Partido dos Trabalhadores. Para esclarecer definitivamente a questão, em novembro de 1982 a CNBB publicou o Documento nº 25 que, com grande pertinência e felicidade, definiu as CEBs como “nova forma de ser Igreja”.

Termino recomendando à geração que não vivenciou aquele tempo em que ganhou corpo essa “nova forma de ser Igreja” que assista o filme documentário A Igreja da Libertação, de Sílvio Da-Rin, de 1985, que pode ser acessado em https://www.youtube.com/watch?v=4_dCuibquzY

Juiz de Fora, 17/ setembro. 2022


* Leigo católico, nascido em 1943, doutor em sociologia, foi professor nos Programas de Pós-graduação em Ciência/s da Religião da UFJF e PUC-Minas. É membro de Iser-Assessoria e da Coordenação do Movimento Nacional Fé e Política. Participou do 4º Encontro Intereclesial como assessor convidado.

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