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ASSEMBLEIA DAS CEBs ARQUIDIOCESE DE CURITIBA PR

Comunidades Eclesiais de Base na Arquidiocese de Curitiba e os Desafios da Vida no Mundo Urbano

Inspiradas e motivadas pelo texto bíblico, (Atos 2, 42-47), buscando a perseverança em ouvir, compreender e viver a Palavra de Deus, as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, na Arquidiocese de Curitiba, estiveram reunidas em Assembleia, nos dias 22 e 23 de Outubro de 2016. Entre as urgências do tempo atual que nos espreitam, e as esperanças no futuro que nos bate à porta, abrimos as auroras de um novo tempo, em que devemos acordar do sono e abraçarmos a fé, (Romanos 13, 11-13), jogando fora as obras das trevas e segurando firmes as armas da luz. O que nos faz assim, alegres e cheios de esperança, é esse jeito de ser Igreja que nos faz irmãos e irmãs. Mesmo sabendo que as dificuldades de se reunir, de se organizar e de priorizar o estudo da Palavra, sobretudo, pensando a Arquidiocese, e ainda mais quando nos vemos como província, a sombra da angústia nos ameaça. Refletimos sobre a caminhada das CEBs e as nossas caminhadas pessoais. Revivemos e renovamos o nosso chamado, partilhando em comunidade o nosso encontro com Jesus Ressuscitado. Foi lindo sentir que, a exemplo daquele casal a caminho de Emaús, também os nossos corações arderam, e os nossos olhos, em certo momento se abriram para o compromisso com Reino de Justiça e de liberdade (Lucas 24, 13-35). É por isso que dizemos como o casal de Emaús, “Fique conosco Senhor!” (v. 29).

          OS IRMÃOS QUE NÃO ENTENDEM E CRITICAM AS CEBs POR SUA INSERÇÃO NAS LUTAS SOCIAIS, É PORQUE NÃO AS CONHECEM BEM.   

Nas partilhas das experiências e nas reflexões, de forma especial, relembrando nossa celebração na Terra Santa de Umuarama, no VII Intereclesial do Regional Sul 2 da CNBB, vimos que temos aprendido muito! Constatamos que muitos dos irmãos e das irmãs que ainda não entendem e criticam as CEBs, por sua inserção nas lutas sociais, é porque não as conhecem bem. Existe uma mídia e uma onda forte que apresenta a Igreja como um SPA, lugar de lazer, ou de outro jeito, como muro de lamentações. Isso quase que legitima os encontros como turismo religioso e por vezes as celebrações são resumidas a mero entretenimento. Isto faz com que o irmão e a irmã sejam uma espécie de cliente, ou um paciente enfermo, o que causa um desvio perigoso ao ter que resumir a Bíblia a um remédio analgésico ou um livro de autoajuda. Firmamos o propósito de nos mantermos próximos à Palavra de Deus, mantendo a sua primazia diante de tantos apelos e atalhos oferecidos.

De certa forma, as CEBs vivem em estado de permanente exílio. Para (SCHWANTES, 2007, p 10), “Estar em exílio é estar fora dos direitos básicos da vida”. São milhões de irmãos e irmãs que se encontram nesse estado em nossas comunidades. Foi no exílio, pois que o povo pôde viver a centralidade da Palavra. Nas palavras de Ildo BonhGass, “Quando não há mais trono, nem altar, nem templo, valoriza-se a Palavra” (BONH GASS, 2004, p. 20). Temos que garantir o lugar da Palavra de Deus como lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho (Salmo 119, 105;) e como lente com a qual olhamos o mundo. Não podemos nos deixar enfeitiçar pelo poder do templo, nem pelos sacrifícios do altar, tampouco pela piedade do trono.

            A alegria que o Papa Francisco resgata para a Igreja, e que está presente nos evangelhos, os seus apelos à Conversão Ecológica, fortalecem o envolvimento das CEBs com a Campanha da Fraternidade, com as pastorais sociais e com os movimentos populares, e os apelos para que saiamos ao encontro uns dos outros. A nossa capacidade de resistir, de insistir, as visitas que fazemos às pessoas e às comunidades, a ligação com a vida, com a realidade de fé, tendo a unidade como sentido de viver. Juntos somos o Povo de Deus na Terra, divididos e em desunião somos massa de manobra, manipulada, pelos demônios da competição e do poder. Ainda, a acolhida fraterna, a simplicidade de agir, o modo diferente e o despojamento, o testemunho e a partilha são exigências evangélicas e que se encontram nas ações das CEBs na busca da justiça e da igualdade. O profetismo está presente nas CEBs e nos faz ser Igreja Povo de Deus, construtora do Reino de Paz, justiça e liberdade. Cantamos como mantra de nosso jeito de ser, “Ó que prazer, que alegria, o nosso encontro de irmãos. É como banho perfumado, gostosa é a nossa união”. É assim que perseveramos sem permitir que o projeto missionário seja contaminado pelo projeto de poder. Essa, por sua vez permanece como a grande tentação dos discípulos e das discípulas de Jesus (Mateus 4, 8-9).

           RECONHECER DE FATO AS CEBs COMO UM JEITO DE SER IGREJA INSERIDA NO MEIO DOS POBRES.

Vivemos atualmente um momento de grande expectativa e esperança profética na Arquidiocese de Curitiba, com amorosa e comprometida presença de Dom José AntonioPeruzzo. Ele é comprometido com o projeto de Igreja do Papa Francisco e sua presença nas atividades das CEBs e do CEBI, bem como de todas as pastorais, é uma chuva de ânimo na tristeza de ver parte do clero e da Igreja buscando as CEBs apenas quando precisam. Aquela sensação de não se sentir parte, de não se saber notícias, de ser nós com nós. A demora da Igreja de se abrir para missão, a dificuldade de assumir-se como Igreja em saída, de reconhecer de fato as CEBs como um jeito de ser Igreja inserida no meio dos pobres. Existem muitas formas de individualismos na Igreja. Grosso modo, nós rezamos da mesma forma como votamos e como nos manifestamos como cidadãos e cidadãs. Individualmente. A proposta de Miqueias de denunciar e profetizar não chega às pastorais e à catequese, por exemplo. Sendo assim,  meio dos pobres“Praticar o direito, amar a misericórdia, caminhar humildemente com o seu Deus” (Miqueias 6,8), constitui-se grande desafio para toda a Igreja. Temos uma realidade que precisamos refletir com atenção. Quem “venceu na vida” deixou de ser CEBs? Sumiu? O clero – a maioria – e a mídia arrastam o povo para dentro do templo e às vezes parece que o que nós fazemos é coisa proibida. Nós somos Igreja e somos cristãos e cristãs para fazer com que a vida vença e para isso não podemos perder a consciência histórica. De onde viemos? A maioria de nós melhorou de vida nos últimos anos, na forma de morar, de se locomover e de viver, nossos filhos estudaram mais do que nós, mas precisamos fortalecer a nossa solidariedade e o nosso senso de justiça. Nós cristãos estamos no mundo para fazer a vida vencer e não para vencermos na vida.

            Em muitas situações as CEBs se clericalizaram demais e, a exemplo da Igreja de Pedro, por vezes excessivamente doutrinária, institucionalizada e sacramentalista, entraram no túmulo (João 20, 1ss). A Igreja jamais vai se abrir toda para a mesma forma de ação profética. Nem por vontade do Papa, nem por decreto. Precisamos abri-la ou ela continuará se fechando cada vez mais. E ainda para refletirmos: nós queremos abrir a Igreja para quê? Para entrarmos nela? Mas nós não somos Igreja em saída? A gente quer, a gente gosta apenas de ajudar o padre, ou a gente tem consciência das consequências do nosso batismo e quer ser Igreja viva que sabe o preço de testemunhar o ressuscitado? As atitudes são mais importantes do que as funções, os cargos e as vestimentas eclesiásticas. Eis o critério de salvação (Mateus 25, 31-46). Tudo o mais é importante, mas não e essencial. É preciso saber aonde termina o rito e aonde começa o ritualismo. Somos cidadãos de dupla cidadania. O discipulado, portanto, nos exige a capacidade de romper com o mudo, (João 17, 6-19), mesmo que ele nos ameace, nos persiga e até nos exclua e nos odeie (v 14). Afinal, estamos aqui de passagem. A maior parte das coisas essenciais à vida que dispomos, nós ganhamos gratuitamente de Deus e dos nossos antepassados. Temos por compromisso ético, garantirmos a continuidade das gerações que virão. E isto nos exige a capacidade de aprendermos com a história e com as experiências passadas. Nas palavras da professora Risoleta, “Quem repete o passado, ou é idiota ou é farsante”. Neste momento em que vemos o governo de nosso país, repetindo o passado, sacrificando os pobres para que os ricos não batam suas panelas, precisamos ter consciência e saber de que lado deveremos estar.

AS CEBs SÃO O FRUTO DA ESPIRITUALIDADE DO CONCILIO VATICANO II

            As CEBs surgiram em alguns lugares por falta de padres? Então, por isso, elas farão o que eles fazem ou fariam? Não creio. Tanto que uma geração de presbíteros e bispos comprometidos com a relação fé-vida, com a Igreja Povo de Deus do Concílio Vaticano II, com a Religião Libertadora de Medellín e com a Opção Preferencial pelos Pobres, de Puebla, marcou o espírito missionário da igreja que resistiu à ditadura civil-militar. É certo que esta atitude gerou inúmeros mártires, ordenados ou não, mas tudo isso fez das CEBs no Brasil uma referência profética para toda a Igreja no mundo. As CEBs são o fruto da espiritualidade do Concílio vaticano II e propagadoras de uma Teologia da Libertação – TdL. Com o silenciamento do Teólogo Brasileiro Leonardo Boff (1982) e de mais algumas dezenas de Teólogos nas Américas Latina, Central e do Sul, nos anos seguintes, causou certo “esfriamento” da TdL e fechamento do clero para esse jeito de ser Igreja. De forma marcante isso se deu durante o longo papado de João Paulo II, tendo Joseph AloisiusRatzinger como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Contudo, a V Conferência Episcopal Latino-americana de Aparecida do Norte, em 2007, com a renúncia do Papa Bento XVI e a eleição do Papa Francisco, o espírito profético voltou a soprar na Igreja. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil reassumiu uma postura crítica e com a publicação do Documento CEM, entre outros, criaram-se novas condições para que o Concílio Vaticano II renascesse aos cinquenta anos.

A fé dissociada do cuidado do planeta como a nossa Casa Comum, é míope. 

Entre tantos temas urgentes e exigentes de nosso tempo para a Igreja e de forma especial para as CEBs, estão as questões de gênero, sobretudo com relação á mulher, e as questões de ecologia. Neste sentido, mesmo a inclusão da mulher já sendo uma realidade nas CEBs, urge aprofundarmos a hermenêutica bíblica, buscando superar a leitura tradicionalista. Como diz o profeta Jeremias, é preciso circuncidar o coração, (Jeremias 4, 4), e os ouvidos (Jeremias 6, 10), porque assim, as mulheres estarão incluídas. Quanto à ecologia, teremos em 2017 a Campanha da Fraternidade, CF2017, que traz como tema, “Fraternidade: Biomas            Brasileiros e Defesa da Vida” e como lema, “Cultivar e guardar a criação” (Gênesis, 2,15). É uma continuidade ampliada da CFE2016, que trata como tema, da “Casa Comum. Nossa Responsabilidade”. E como lema, “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Amós 5,24).  São oportunidades de continuarmos a reflexão sobre os desafios das CEBs no mundo urbano.

O PLANETA TERRA VIVE NA IMINÊNCIA DE UM DESASTRE ECOLÓGICO.

Quanto à questão ecológica, o Papa Francisco denuncia e nos alerta, “Por nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem. Não temos direito de o fazer” (LS’, nº 33). As CEBs na Arquidiocese de Curitiba, além de engajadas nos movimentos de Economia Solidária, que têm como princípio o cuidado com a natureza, engajaram-se também na Campanha da Fraternidade de 2016, levando à frente o seu objetivo geral que é: “Assegurar o direito ao saneamento básico para todas as pessoas e empenharmo-nos, à luz da fé, por políticas públicas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro de nossa Casa Comum” (CNBB, 2016, nº 26). São muitos os alertas e as denúncias que nos dizem da gravidade do processo de agressão ao planeta. Para (WOLFF, 2016, p 79), “O planeta Terra vive na iminência de um desastre ecológico. Estudos que advertem a respeito dessa possibilidade, mesmo os mais otimistas, não negam que cotidianamente constatamos quão graves são as ameaças à sobrevivência dos seres vivos do planeta Terra, em suas variadas formas e espécies”. A fé dissociada do cuidado do planeta como a nossa Casa Comum, é míope. Acontece que nós vivemos e educamos os nossos filhos e filhas que nasceram e se criaram na cidade, para viver como se água potável, ar puro e alimento saudável, fossem fabricados magicamente em algum supermercado ou Shopping Center.

            A nossa assembleia aconteceu no Jardim Acrópole, na Comunidade São Sebastião, da paróquia Nossa Senhora do Rosário de Belém, no Bairro Cajuru. Ao lado, no mesmo bairro, fica a Comunidade Santa Rosa, no Jardim Centenário, uma das primeiras Comunidades Eclesiais de Base em Curitiba. As CEBs em Curitiba têm algumas marcas e ações que devem ser partilhadas com toda a Igreja Povo de Deus. Todas as quartas Quartas Feiras e acontece ininterruptamente há 31 anos o Grupo de Reflexão da Arquidiocese – GRA, atualmente nas dependências CÚRIA. Já aconteceu nas Livrarias Paulinas, no CEFAS, já foi aos Sábados e é antecedido pela Equipe de Apoio, que acontece na casa de um dos membros, sempre na segunda Segunda Feira de cada mês. Enfrentando as adversidades que surgem em toda caminhada de libertação, as CEBs na Arquidiocese de Curitiba, buscam na Palavra de Deus e nos sinais do Reino marcados na face da história de seu povo, forças para não cair na tentação de substituir o projeto missionário pelo projeto de poder. É assim que caminhamos rumo ao XIV Intereclesial Nacional em Londrina, em Janeiro de 2018. Movidos pela Palavra de Deus que nos diz, “Estou vendo muito bem a aflição do meu povo que está no Egito. Ouvi seu clamor diante de seus opressores, pois tomei conhecimento de seus sofrimentos. Desci para libertá-lo do poder dos egípcios e fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel, o lugar dos cananeus, heteus, amorreus, fereseus, heveus e jebuseus”, (Êxodo 3, 7-8).

REZEMOS PELA IGREJA, QUE ELA DESÇA DO ALTAR DOS SACRIFÍCIOS E ESCUTE O GEMIDO DO POVO NAS ESQUINAS…

            Nossa assembleia encerrou no início da noite de Domingo, dia 23 de Outubro de 2016, com a arte, a cultura, a poesia e o encanto de Zé Vicente, o poeta das Comunidades. Fizemos uma Roda Musical inesquecível! Foi um posto de abastecimento para a nossa caminhada, uma chuva de esperança e de profecia para as CEBs da Arquidiocese de Curitiba. Rezemos pela Igreja, para que ela desça do altar dos sacrifícios e escute o gemido do povo sacrificado nas esquinas. Rezemos pela nossa conversão ecológica. Rezemos pelo Papa Francisco e por nosso Arcebispo Dom José AntonioPeruzzo, nossos Pastores e que têm se arriscado pela nossa fé. Rezemos por nossas Comunidades Eclesiais de Base, para que não se cansem de lutar por justiça e liberdade e busquem sempre a comunhão na diversidade da Igreja.

Curitiba, 19 de Novembro de 2016 – Sábado de sol claro e de vento frio.

João Ferreira Santiago.

Teólogo, Poeta e Militante.

É Mestre em Teologia pela PUCPR

Especialista em Assessoria Bíblica pela EST

CEBs CURITIBA

Para continuar aprofundando

– Bíblia Sagrada, Nova Pastoral. São Paulo: Paulus, 2014.

– CNBB. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Texto Base da Campanha da Fraternidade de 2016 – Casa Comum: Nossa responsabilidade. Brasília-DF: CNBB, 2015

– GASS, Ildo Bonh. Uma Introdução à Bíblia – Exílio Babilônico e Dominação Persa. Livro 5. São Leopoldo-RS: CEBI, 2004.

– Papa Francisco. Carta Encíclica Laudato SI’ (Louvado Sejas) – Sobre o cuidado da Casa Comum. Brasília-DF: edições CNBB, 2015.

– SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no EXÍLIO – História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a. C. São Leopoldo-RS: Oikos, 2007.

– WOLFF, Elias. Espiritualidade do diálogo inter-religioso – Contribuições na perspectiva cristã. São Paulo: Paulinas, 2016,

Este texto traz um relato das CEBs na Arquidiocese de Curitiba, a partir de sua Assembleia anual, mas seu conteúdo e os pensamentos que ele apresenta são de inteira responsabilidade de seu autor.

Todos os direitos reservados a Ampliada das Comunidades Eclesiais de Base.

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