“A sinodalidade é algo que nos faz caminhar juntos para identificar os riscos e o que as pessoas precisam”.
Se tem algo que o Papa Francisco está insistindo no processo do Sínodo para a Amazônia é a necessidade de ouvir as vozes do povo, os gritos que vêm das bases. Tudo isso está sendo recolhido em diferentes níveis, desde reuniões de pequenos grupos até o que a Secretaria do Sínodo chama de Assembleias Pré-sinodais. Uma dessas reuniões aconteceu em Manaus, de 30 de novembro a 2 de dezembro, reunindo representantes das nove circunscrições eclesiásticas do Regional Norte I da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.
Como afirmou o Cardeal Baldesseri, Secretário do Sínodo, em uma carta enviada ao Arcebispo de Manaus, Dom Sergio Castriani, “as Assembleias Territoriais nos ajudam em todo o território da Amazônia a participar ativamente da preparação do Sínodo Pan-Amazônico “o objetivo do Sínodo Pan-Amazônico é a evangelização dos povos dos territórios pan-amazônicos, com especial atenção aos povos indígenas, à salvaguarda da Criação e ao atual e urgente tema da ecologia integral”.
O Sínodo para a Amazônia está se tornando algo além do resultado final, que deve aparecer na Exortação Apostólica. Ele está levando ao surgimento de novas práticas a serem assumidas pela Igreja Católica na região. Na verdade, como Baldisseri reconhece em sua carta: “Tenho certeza de que as respostas ao Questionário, fruto do trabalho e do discernimento destes dias, serão muito úteis para sua Arquidiocese e toda a região amazônica.”
Dom Mario Antonio da Silva, Bispo de Roraima e Presidente do Regional Norte I da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reconheceu na Assembleia que “a sinodalidade é algo que nos faz caminhar juntos para identificar os riscos e o que as pessoas precisam”. De fato, esta é uma atitude que Jesus gosta, pois ele sempre elogiou no Evangelho o grupo dos discípulos quando eles caminharam juntos, na mesma direção.
A importância desta dimensão de um caminho comum, também foi destacada por Mauricio Lopez, Secretário Executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, que insistiu na dimensão pan-amazônica do Sínodo, destacando o tradicional papel profético da Igreja latino-americana como defensora dos pobres. Em suas palavras, ele definiu o Sínodo como um kairós, um tempo de graça, resultado da missão da Igreja na Amazônia. Nesse sentido, o Secretário Executivo da REPAM, diz que a Igreja não pode continuar caminhando isolada diante dos desafios que estão surgindo no horizonte. De fato, as forças do mal estão se juntando, o que exige uma união eclesial.
Mauricio Lopez vê três dimensões no Sínodo para a Amazônia, definindo-o como um processo que gera possibilidades, um evento, uma vez que é a primeira vez que as pessoas estão sendo ouvidas, e uma ferramenta, para ajudar a recolher as vozes proféticas da Amazônia.
No Brasil, o Sínodo acontece dentro de um contexto eclesial e político um tanto perturbado. Nesse sentido, Dom Ionilton Lisboa de Oliveira, Bispo de Itacoatiara, fazendo uma análise da situação eclesial, enfatizou que, globalmente, a Igreja Católica está vivendo um tempo de graça com o Papa Francisco, mas localmente, os ataques a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e às Pastorais sociais, devem levar a própria Igreja a refletir sobre uma situação que mostra que a Igreja do Brasil, nas últimas décadas, foi concentrando-se em atividades internas e ficando longe da dimensão externa, a tal ponto que é cada vez mais difícil reunir pessoas nas atividades de natureza social, algo que também afeta a mídia católica brasileira, onde o social não faz parte das pautas de informação.
Essa dimensão também foi abordada pela professora Ivania Maria Carneiro Vieira, ao analisar a situação sociopolítica. Ela perguntou com quem, como e por que se comunica a Igreja Católica. A professora da Universidade Federal do Amazonas partiu de um texto de 1991, “Amazônia em busca de alternativas”, com o qual pretendia mostrar que após quase trinta anos, as questões apresentadas naquele momento, não mudou, só aumentou.
Nesse sentido, com base em estatísticas que mostraram que uma elevada porcentagem de católicos votaram Bolsonaro, ela diz que agora é hora de assumir as consequências dessa escolha, que se manifesta em propostas extremamente perversas. Foram proféticas as palavras de Deolinda da Silva, indígena do povo Macuxi, que afirmou que os povos indígenas estão em pé, juntos na luta, contra os ataques do futuro presidente. Segundo Ivania Vieira, o mercado é o que marca os destinos da nossa vida.
Ela refletiu sobre o papel das mulheres na Igreja Católica, questionando a falta de reconhecimento, algo que deve ser refletido na região Pan-amazônica, onde as mulheres garantem a presença da Igreja e são a possibilidade de que a Igreja tenha um rosto amazônico. Nessa perspectiva, a professora se perguntou por que a Igreja da Amazônia insiste em permanecer patriarcal e romana, ainda mais se levarmos em conta que as mulheres são as colunas da Igreja Católica.
A Assembleia tem recolhido as contribuições chegadas das diferentes dioceses e prelazias, que seguindo as perguntas do Documento Preparatório, tem respondido às perguntas preparadas pela Secretaria do Sínodo, a partir do esquema ver, julgar e agir. É precisamente esta dimensão prática que despertou o maior interesse, uma vez que nos leva a refletir sobre o modelo da Igreja que pode surgir do Sínodo, que quer fazer realidade novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
Os participantes da Assembleia deixaram claro que a Igreja da Amazônia sonha com ser ousada, profética, dialogal, inclusiva, pobre, solidária, mística, em saída. Uma igreja que quer se expressar em uma liturgia e sacramentos inculturados, que assimilam as culturas, que dá valor à religiosidade popular e mariana e promove o diálogo inter-religioso, desde a escuta e a teologia indígena. Uma Igreja profética, que promove novos paradigmas de comunicação, que tem como pauta os povos da Amazônia, que atua em rede e busca repercutir a vida da região.
A Igreja da Amazônia quer promover o protagonismo social e eclesial dos leigos, que querem ser formados, das mulheres, para as quais foi pedido poder participar no ministério ordenado e das instancias de decisão, dos atores nativos, da Vida Religiosa e missionários, dos quais esperam disponibilidade, ousadia e perseverança, capacidade de acolher e diálogo intercultural, leveza estrutural e incremento da vida das comunidades. Junto com isso, é uma Igreja que insiste na ministerialidade, aumentando os ministérios existentes, promovendo o diaconato permanente e as diaconisas, o ministério da presidência eucarística, para homens e mulheres, e ministérios a partir das culturas locais.
Muitos desses elementos foram recolhidos em uma carta, com a qual a Assembleia Presinodal quer envolver toda a Igreja do Regional no que está sendo vivido e refletido no processo sinodal, que é um novo instrumento que quer que a Amazônia não tenha fim. Isto tem sido confiado nas mãos dos bispos presentes, que participarão do Sínodo como padres sinodais, quem tem sido enviados pela Assembleia como porta-vozes de toda a vida encerrada na Terra Santa Amazônica e nos povos que nela habitam.
Luis Miguel Modino
Carta da Assembleia Pré-Sinodal do Regional Norte 1
Carta da Assembleia Pré-Sinodal do Regional Norte 1 PDF
“Não importa que doa: é tempo de avançar de mão dada com quem vai no mesmo rumo” Thiago de Mello
Como Igreja do Regional Norte 1, Amazonas e Roraima, nos reunimos, no Centro de Treinamento de Lideranças Maromba, em Manaus, em caminho sinodal, com a presença de leigos e leigas, diácono, sacerdotes, religiosos e religiosas, bispos, representando todas as dioceses do Regional. O Sínodo é uma grande luz que o Papa Francisco acendeu para se fazer pequenas luzes em nossa realidade Amazônica. Neste caminho, muitos sinais de Deus vêm sendo colocados como marcos, para indicar a direção a seguir.
O Sínodo é um tempo de graça, um kairós, que nos convoca a elevar nossas vozes, darmos as mãos e seguir, sempre acreditando que é o Senhor que nos convoca a sermos “sal da terra” (Mt 5,13). O Sínodo é um processo que gera possibilidades, um acontecimento que promove a escuta e uma ferramenta que ajuda a recolher as vozes proféticas dos povos da Amazônia, em uma Igreja chamada a cuidar do jeito, do conteúdo de sua comunicação e a reconhecer o papel da mulher, em uma sociedade dominada pelo mercado, pelos grandes projetos, onde se vislumbram propostas extremamente perversas.
A partir da síntese da ampla escuta realizada, este foi um tempo para deixar que tanta riqueza passasse pelo processo de decantação. Junto aos povos do nosso Regional, sonhamos com uma Igreja ousada, dialogal, inclusiva, pobre, solidária, mística, em saída. Uma Igreja que quer se expressar em uma liturgia e sacramentos inculturados, que assimila as culturas, dá valor à religiosidade popular e mariana, promove o diálogo inter-religioso, desde a escuta e a teologia indígena. Uma Igreja profética, que promove novos paradigmas de comunicação, com pauta nos povos da Amazônia, que atua em rede e busca repercutir a vida da região.
Queremos uma Igreja que promova o protagonismo social e eclesial laical, das mulheres, dos atores nativos, da Vida Religiosa e Missionária, de quem se espera disponibilidade, ousadia, perseverança, capacidade de acolhida, diálogo intercultural, leveza estrutural e incremento da vida das comunidades. Uma Igreja que insiste na ministerialidade, com os ministérios existentes, promovendo o diaconato permanente e diaconisas, o ministério da presidência eucarística, para homens e mulheres, e os ministérios a partir das culturas locais.
Que Nossa Senhora da Amazônia, rainha das luzes e das flores, nos dê juízo e sabedoria, para proteger nossa terra, nossa gente, para que a Amazônia não tenha fim.
Manaus, 02 de dezembro de 2018.
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