Shadow

“Brasil: Ditadura nunca mais”

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

Em 1940, no primeiro congresso indigenista interamericano, o dia 19 de abril foi escolhido como Dia do Índio ou Dia dos Povos Indígenas. No Brasil, o Dia foi oficialmente introduzido em 1943 por um Decreto-Lei do então presidente Getúlio Vargas[1]. Inicialmente, apenas aspectos culturais motivaram a celebração. O Estado Novo não levou em conta questões políticas, apenas a preservação da memória histórica cultural dos povos originários, seus costumes e tradições, mais de teor folclórico, como ainda acontece quando o assunto é abordado em escolas, por exemplo.

A data foi evoluindo, no entanto, com maior ênfase no aspecto político[2], que hoje predomina: a memória inclui as resistências e lutas dos indígenas no decorrer do traumático processo de colonização, em que milhões de pessoas e centenas de etnias, culturas, línguas e comunidades foram exterminadas. O grito por autonomia, por direitos e reconhecimento de seu livre dispor sobre seus territórios, sem interferências e respeitando seus modos de relacionamento com a Mãe Terra se sobrepõe hoje a uma simples memória nostálgica de hábitos e tradições passados.

De 04 a 14 de abril, mais de 8 mil indígenas de mais de 200 etnias diferentes estiveram em Brasília no acampamento “Terra Livre”, protestando contra o chamado “combo da morte”, uma combinação de leis e práticas desenvolvimentistas que levam ao extermínio dos descendentes dos primeiros habitantes do País. O assunto mereceu pouca atenção na mídia local, mas alcançou a imprensa internacional, como o jornal inglês The Guardian[3]. Os indígenas cobram a retomada das demarcações de suas terras e de políticas públicas voltadas para eles. As resistências indígenas são um marco na conjuntura brasileira atual, por objetivarem não apenas a necessária e justa sobrevivência das suas culturas, mas ainda a proteção dos biomas, das águas, do ambiente natural e do equilíbrio climático no Planeta para as futuras gerações humanas.

É impressionante e estarrecedor como o presidente da República deita e rola em cima das instituições. Mais uma vez, na semana que passou, a autonomia do poder judiciário foi posta a prova. Nem tinha publicada ainda sua sentença de condenação do fascista Daniel Silveira, o ocupante do Palácio do Planalto decretou um indulto, retirando todas as penalidades e absolvendo um criminoso sócio-político que agride as instituições republicanas e defende a reintrodução do Ato Institucional nº 5 da Ditadura Militar, prescrição legal mais dura e antidemocrática que o Brasil talvez jamais antes teve. O atentado do PR se junta a diversas outras ameaças à atuação harmoniosa entre os três poderes da República, que delineiam um quadro perigoso para o futuro próximo do País. Está em franca contradição com aquilo que declarou na sua campanha eleitoral, que não iria utilizar a instituição do indulto durante seu mandato. Não só a usou, como da pior forma possível, em benefício apenas de criminoso em apoio aos seus próprios desmandos. Nada indica que este indigno brasileiro irá aceitar o resultado das eleições do final do ano, caso forem contra o seu interesse de permanecer mais quatro anos destruindo o País.

Surpreende a postura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que chamou o decreto de irreversível, irrevogável. É atitude típica de uma ditadura, porque em qualquer estado de direito, a Justiça deveria ter a última palavra. “A Constituição não prevê a cassação de pronunciamento do STF pelo presidente da República” declarou o Ministro do STF Marco Aurélio de Mello[4].

Até o presente momento, a realização de eleições está dada como certa. Porém, o autoritarismo instalado na alta cúpula governamental, nas forças armadas, nos ministérios, na Polícia Federal, na Procuradoria Geral da República precisa ser levada a sério pelas instituições democráticas, pelas organizações sociais e os partidos políticos. Até no STF o PR colocou dois fantoches dele, que de forma diferenciado, mas na mesma direção, tentaram enfraquecer e reduzir a importância dos atos ilegais cometidos pelo deputado federal Daniel Silveira. Demonstra que as instituições não gozam da independência que a Constituição Federal determina no seu segundo artigo.

A democracia brasileira não está apenas ameaçada por intervenções presidenciais nas instituições federais. O crescente armamento da população causa preocupação. Mais armas em circulação não é sinônimo de mais segurança. Muito pelo contrário[5]. Pelo menos a impressão da maioria da população brasileira não é essa. “A violência está aumentando no país, na avaliação de 90,1% dos brasileiros. A constatação é de pesquisa inédita feita pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) sobre os valores mais importantes para a população. O tipo de violência que mais incomoda quem vive no país ainda é a dos bandidos, apontada por 56% dos entrevistados. Para 23%, o pior tipo de violência é a familiar, seguida da violência no bairro, no trânsito e nas escolas”.[6] “Isabel Figueiredo afirma que o aumento de armas nas mãos dos CACs é algo que preocupa. De acordo com ela, há um conjunto robusto de pesquisas que mostram que o aumento do número de armas em circulação gera uma tendência de aumento da criminalidade violenta, acidentes domésticos e suicídios.”[7]

As leis sancionadas pelo presidente aumentaram sensivelmente o grupo de pessoas identificadas como caçadores, atiradores e colecionadores de armas – abreviado como CAC. O número de registros de novas armas, em três anos, aumentou em 333%. O número de pessoas que se registraram como CAC subiu de 225.402 em 2018 para 1.085.888 em 2021. O País teria cerca de 360 000 militares na ativa (ready-to-fight) em 2022, segundo a Global Firepower, distribuídos entre 235.000 no Exército, 65.600 na Aeronáutica e quase 65.000 na Marinha[8]. Ao mesmo tempo, há mais de meio milhão de Policiais Militares, muitos deles carregando uma pesada cultura de prepotência, autoritarismo e violência.

Assistimos no começo de 2021, cenas alarmantes nos Estados Unidos, no momento da posse de Joe Biden em substituição a Donald Trump. Há analistas que chamam a atenção de que no Brasil, as mesmas cenas podem ocorrer, até antes das eleições, com um simples chamado às ruas de um ex-capitão do exército que de forma antidemocrática pode pretender ampliar sua permanência no Planalto por mais quatro ou mais anos. Ainda existem pessoas com saudades para a época da Ditadura Militar em nosso País. Um novo golpe pode estar sendo preparado.


[1] https://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/19-abril-dia-Indio.htm (Acesso em 2022.04.20)

[2] https://segredosdomundo.r7.com/19-de-abril-dia-do-indio/ (Acesso em 2022.04.20)

[3] https://www.theguardian.com/environment/2022/apr/22/its-our-land-too-brazils-indigenous-peoples-make-their-voice-heard-aoe (Acesso em 2022.04.23)

[4] https://politicalivre.com.br/2022/04/camara-tem-de-suspender-processo-contra-daniel-silveira-diz-marco-aurelio-mello/#gsc.tab=0 (Acesso em 2022.04.23)

[5] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2021/07/15/com-mais-armas-de-fogo-em-circulacao-homicidios-voltam-a-subir-no-brasil-em-2020.htm (Acesso em 2022.04.24)

[6] https://oestadoce.com.br/nacional/mais-de-90-dos-brasileiros-dizem-que-a-violencia-aumentou-no-pais/ (Acesso em 2022.04.24)

[7] https://noticias.r7.com/brasilia/numero-de-novos-registros-de-armas-para-cacs-sobe-333-em-tres-anos-06042022 (Acesso em 2022.04.24)

[8] https://pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7as_Armadas_do_Brasil (Acesso em 2022.04.24)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.