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Concentração de riquezas nas mãos de poucos tem seu preço

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

A crise econômica, que alguns querem colocar na conta da pandemia, não está sendo um problema para todos. Os bancos, por exemplo, lucraram no Brasil 62 bilhões de reais nos primeiros seis meses deste ano[1]. De julho a setembro deste ano, a Petrobrás tem lucro líquido de mais de 31 bilhões de reais[2]. O valor bruto do setor agropecuário no Brasil deve ser 12,4% maior em 2021 do que no ano anterior[3], estima o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Em nível internacional, a indústria farmacológica vê uma oportunidade única de lucrar com a pandemia[4], o que era de se esperar. A Pfizer, por exemplo, teve lucro 59% maior no segundo trimestre deste ano em comparação do ano 2020[5]. Até mesmo com a venda do “kit Covid”, empresas conseguem lucrar mais de um bilhão de reais entre janeiro de 2020 e maio de 2021.

É claro que esta fabulosa concentração de riqueza nas mãos de poucos tem seu preço. Com a desculpa de combater a inflação – sempre dentro das teorias clássicas capitalistas e monetaristas – o Banco Central eleva as taxas de juros neste mês de outubro e promete mais um aumento na reunião do COPOM em dezembro[6]. Assim, o consumidor brasileiro comprará menos enquanto o sistema bancário pode cobrar e lucrar mais. São os rentistas os mais beneficiados, e os devedores os mais prejudicados, e entre estes as dívidas públicas que engordarão as já polpudas somas que saem diretamente do bolso do contribuinte para o pagamento de juros e serviços desta dívida imoral e insana.

A lucratividade da Petrobrás nos faz tecer novamente outras considerações. A Petrobrás elevou somente neste ano o preço dos combustíveis na refinaria em 73% (de 1,84 reais em dezembro do ano passado para 3,19 reais neste momento[7]. Assim, dependendo do lugar, nas bombas de combustível pagamos inimagináveis preços por litro, entre 6,50 e mais de 8 reais. O setor de transportes, importante setor para a distribuição de mercadorias e pessoas, é compelido a aumentar tarifas ou trabalhar no prejuízo. Na capital maranhense, por ex. é jogada uma quebra de braço entre donos das empresas de ônibus, que querem aumentar a tarifa, motoristas e cobradores em greve há mais de uma semana, reivindicando pagamento de salários atrasados e aumento de 13%, sem solução, e o prefeito, que na sua campanha eleitoral havia se comprometido de não aumentar o preço das passagens. E com uma prefeitura inoperante, não há perspectivas de uma solução para breve. Vítima é a população trabalhadora que, sem transporte público, é obrigada a desembolsar mais dinheiro para se deslocar, ou perder serviço, trabalho e renda. Espere-se que a iminente fúria de caminhoneiros e condutores de carros particulares não se dirija contra a Petrobrás para incentivar ainda mais a sua privatização. É justamente o que a atual política do governo quer: uma Petrobrás lucrativa, uma população revoltada, a promessa de que a privatização diminuirá o preço: é o cardápio perfeito para mais um ataque frontal à soberania energética do país.

Além dos já esperados aumentos de lucro do setor farmacológico, nos deparamos no Brasil diante de uma poderosa rede de corrupção, parcialmente revelada pela CPI do Covid no Senado, que entregou esta semana seu relatório final. Muitos políticos ganharam ou tentaram ganhar dinheiro com as compras institucionais de produtos necessários ao combate à doença. Superfaturamento, produtos pagos, mas não entregues, contas particulares de políticos pagas por empresas do setor: ouvimos de tudo nestes dias de depoimentos no Senado. O que causa estranheza é que estes fatos acontecem justamente num governo eleito a partir de uma promessa de combate à corrupção. Enquanto isso, uma após outra as acusações contra os governos do Partido dos Trabalhadores, contra Lula e Dilma, caíram. Mesmo assim, continuam as acusações falsas/mentirosas e a desconfiança criada contra os trabalhadores, em mensagens e fake News nas redes sociais. “Nem Bolsonaro, nem Lula” gritava em setembro o MBL, como se fosse possível equiparar estas duas figuras emblemáticas.

Há desconfiança contra os trabalhadores – acredito que não seja apenas contra o PT, mas contra a classe trabalhadora! O que de bom pode vir da Galileia, diziam os fariseus. A Galileia era a região pobre, a mais explorada economicamente, a rejeitada pela cúpula judaica. É deste modo que é tratada a classe trabalhadora, a única que produz riquezas. O patrão é nada sem seus operários, sem as operárias. Mas o estigma sempre recai sobre ela, a classe trabalhadora. Um governo dos trabalhadores para a distribuição da riqueza, para o uso da riqueza, dos impostos cobrados sobre ela, para criar um mínimo de equidade entre as cidadãs e os cidadãos é que nós precisamos. É preciso, por exemplo, ampliar o debate sobre o Bolsa Família – não sua substituição eleitoreira por um Auxílio Brasil, programa que já tem data para acabar, antes mesmo de ser criado e implantado. Está claro para quem quer enxergar que este programa tem a finalidade de puxar votos para a continuidade dessa insanidade no poder atualmente. O País precisa de uma Política de Renda Mínima: tire-se de quem tem muito para garantir condições dignas de vida para quem nada tem. Para enfrentar esse debate, deve se ter um governo que queira se engajar nisso, é preciso combater preconceitos como “é a vontade de Deus que você é miserável”, ou “o rico chegou no topo por esforço próprio”, ou ainda “todos têm as mesmas condições para se dar bem na vida”. Quem defende essa visão prescinde, não precisa de solidariedade e sentimento social! Para reaver nossos direitos de volta: que viva o socialismo!

É por não ter que entrar nesse debate, que a classe capitalista, empresários e rentistas, estão à procura de uma chamada “Terceira Via”. Nem Bolsonaro, nem Lula. Continuaria a exploração da classe trabalhadora, a destruição de seus direitos adquiridos e perdidos em seguida. Essa 3ª Via aprofundará a submissão às empresas multibilionárias, ao sistema bancário e às leis que liberalizam ainda mais a iniciativa econômica privada, inclusive em setores estratégicos, que tanto prejuízo estão causando à economia popular e à longevidade do Planeta Terra. O povo trabalhador terá que avaliar muito bem as candidaturas ao poder executivo e o legislativo para colocar o Brasil num novo rumo, possível e absolutamente necessário. Não se deve esperar muita mudança de fundo de candidatos à direita.

Uma comitiva brasileira, sem Bolsonaro, se desloca nestes dias para a Europa, a fim de participar da COP-26 (Conferência das Partes, que se originou da convenção internacional, selada na Cúpula da Terra, do Rio de Janeiro em 1992)[8], a vigésima sexta conferência sobre o Clima, organizada pela ONU. Ela ocorre em Glasgow, maior cidade da Escócia e terceira maior cidade do Reino Unido, depois de Londres e de Birmingham. A Conferência ocorre entre hoje – 31 de outubro – e 12 de novembro, porém não apresenta boas perspectivas diante da catástrofe climática que se aproxima cada vez mais[9]. Estas Conferências podem produzir planos de ação (Bali, 2007), ou definir mandatos (Berlim, 1995)[10], definir protocolos (Kyoto, 1997) ou plataformas (Durban, 2011), estabelecer metas (Copenhagen, 2009)[11] ou selar acordos (Paris, 2015). Porém, sem ação, o efeito estufa e o aquecimento global continuam, com consequências cada vez mais diversas e desastrosa para a sobrevivência sobre esse planeta impiedosamente violentado pelo grande capital, sem alma nem coração.

Sem propostas, sem perspectivas, repetindo o mesmo discurso vazio feito na Assembleia da ONU, a claque de Bolsonaro não tem muito que contribuir. Vão dizer que o Brasil vai bem, combate o desmatamento e o fogo, mas nada falará sobre como pensa em fazer isso e porque aumentou exponencialmente o uso dos mais diversos agrotóxicos, muitos deles totalmente proibidos em outros países. Nem vai dizer que para cada brasileiro, no campo são utilizados cerca de 7,5 litros de veneno, como calculou a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.

O presidente aproveita da viagem para participar da Cúpula do G-20 em Roma para dar um pulinho até Anguillara Veneta na província de Pádua,  cidade de seus antepassados. Por enquanto, o Brasil ainda está entre as 20 maiores economias do mundo, que na capital italiana também discutirão o Clima[12].

Em Anguillara Veneta, Bolsonaro deve receber o título de cidadania no dia 1º de novembro, concedido por 9 dos 13 vereadores. Na sua agenda ainda está a visita à Igreja de Santo Antônio de Pádua. Mas há protestos na cidade. A prefeitura foi pichada, contestando a visita de um neofascista. O bispo diocesano avisou que não irá participar de nenhuma festividade com o brasileiro, os franciscanos vão manter a igreja fechada e o prefeito da cidade, Sergio Giordani, fez saber que estará fora da cidade por outros compromissos assumidos.

Parece que também lá, como no Brasil, o legislativo/Câmara Municipal não comunga bem os posicionamentos e necessidades da população… Merece todo nosso repúdio a proposta do Centrão, de conceder assento vitalício aos ex-presidentes, inventada para livrar Bolsonaro da cadeia, onde é seu lugar.


[1] https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/bancos-lucram-r-62-bilhoes-no-1o-semestre-e-rentabilidade-volta-ao-nivel-pre-pandemia/?utm_campaign=novo_layout_newsletter_-_1910&utm_medium=email&utm_source=RD+Station (Acesso em 2021/10/22)

[2] https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/10/28/petrobras-tem-lucro-de-r-311-bilhoes-no-terceiro-trimestre.ghtml (Acesso em 2021/10/29)

[3] https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/04/13/faturamento-da-agropecuaria-brasileira-em-2021-deve-chegar-a-r1057-trilhao-diz-ministerio.ghtml (Acesso em 2021/10/29)

[4] https://ictq.com.br/industria-farmaceutica/1355-industria-farmaceutica-enxerga-pandemia-como-oportunidade-unica-para-os-negocios (Acesso em 2021/10/29)

[5] https://exame.com/negocios/pfizer-tem-salto-em-lucro-liquido-e-receita-no-2o-trimestre/ (Acesso em 2021/10/29)

[6] https://economia.ig.com.br/2021-10-27/copom-elevacao-taxa-selic-outubro.html (Acesso em 2021/10/29)

[7] https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/10/25/petrobras-reajusta-mais-uma-vez-precos-da-gasolina-e-do-diesel.ghtml (Acesso em 2021/10/29)

[8] https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2014/08/convencaomudancadoclima.pdf (Acesso em 2021/10/29)

[9] https://www.economist.com/leaders/2021/10/30/why-the-cop26-climate-summit-will-be-both-crucial-and-disappointing (Acesso em 2021/10/29)

[10] https://cetesb.sp.gov.br/proclima/conferencia-das-partes-cop/cop-1-berlim-alemanha-marco-abril-de-1995/ (Acesso em 2021/10/29)

[11] https://cetesb.sp.gov.br/proclima/conferencia-das-partes-cop/cop-15-mop-5-copenhague-dinamarca-dezembro-de-2009/ (Acesso em 2021/10/29)

[12] https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-10/clima-deve-dominar-cupula-do-g20-antes-de-conferencia-da-onu (Acesso em 2021/10/29)

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