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Entrevista com Dom Manoel João Francisco

“A proposta eclesial da CEBs é que o poder não fique apenas nas mãos de um ou de dois…”

Dom Manoel João Francisco é  Bispo da Diocese de Cornélio Procópio, referencial das CEBs Regional sul II e administrador Apostólico da Arquidiocese de Londrina.  Como Administrador apostólico, Dom Manoel, será o responsável pela arquidiocese durante o Catorzinho, que se realizará nos dias 14 e 16 de   julho. Nesta entrevista Dom Manoel fala da importância da CEBs, do Catorzinho e o que espera como resultado do 14º Intereclesial.

 Conte-nos sobre sua trajetória na CEBs e nos Intereclesiais.

Desde quando era seminarista venho tendo algum envolvimento com a proposta das CEBs. Na minha Paróquia de origem, já em 1965 funcionavam os Grupos Bíblicos de Reflexão, na época, eram conhecidos como Círculos Bíblicos. Como padre, sempre priorizei o trabalho com os Grupos Bíblicos de Reflexão e a organização das diversas pastorais, todas articuladas através do Conselho de Pastoral Paroquial. Como bispo, na Diocese de Chapecó, entrei de cheio na proposta das CEBs. Toda a Diocese procurava vivenciar a eclesiologia das CEBs. Ou seja, nas Comunidades, Paróquias, e Diocese se dava grande importância à formação e participação dos leigos e leigas; as decisões eram tomadas em Conselhos ou Assembleias; a preocupação com as questões sociais sempre esteve em primeiro plano. Naturalmente, tudo era iluminado e alimentado pela Palavra de Deus e pela oração. Na Diocese havia 1563 Comunidades. Em todas, aos sábado ou domingos, havia celebração da Eucaristia ou da Palavra com muita boa participação. Dos Intereclesiais, estou participando desde o ano 2000, quando aconteceu o 10º em Ilhéus na Bahia. No 11º, em Ipatinga, MG, o Regional Sul IV (Santa Catarina) ficou encarregado de uma celebração. Presidi esta celebração. Nos demais, – Ilhéus, Ba, Porto Velho, RO, Juazeiro do Norte, – CE, atuei como simples participante, sem maiores responsabilidade. Gostei de ter participado de todos. Para mim foram encontros muito enriquecedores. A troca de experiência e de ideias com pessoas de outras regiões foram muito interessantes. Sempre voltei para casa com novos projetos e novas propostas para a ação pastoral; disposto a participar dos futuros encontros. Deste Intereclesial de Londrina estou participando mais de perto, na qualidade de Bispo referencial das CEBs no Regional Sul 2 e, nestes últimos seis meses, como Administrador Apostólico de Londrina.

“A proposta eclesial da CEBs é que o poder não fique apenas nas mãos de um ou de dois…”

Qual a Importância da realização do Intereclesial no Paraná?

Minha esperança é que o 14º Intereclesial de CEBs no Paraná venha suscitar um revigoramento da proposta eclesiológica das CEBs. Como já foi dito e escrito, as CEBs são a Igreja que nasce do povo. Ou seja, nas CEBs o povo tem vez e voz. O clericalismo, tão combatido pelo nosso querido Papa Francisco, não tem vez. A proposta eclesial da CEBs é que o poder não fique apenas nas mãos de um ou de dois, mas, que as decisões sejam colegiadas, partilhadas, tomadas em conjunto, em colégio. O clero e a hierarquia não são excluídos, pelo contrário, são parte essencial desta Igreja, mas não decidem sozinhos. As decisões são tomadas de forma colegiada, nos conselhos ou assembleias. As CEBs fazem de seus membros, além de cristãos/ãs, cidadãos/ãs conscientes. A prática da caridade, nas CEBs, além da ajuda personalizada a quem necessita, se faz através do envolvimento nas lutas pelos direitos e dignidade das pessoas. É normal, por isso, a participação dos membros das CEBs nas diversas Pastorais Sociais, nos Conselhos Municipais de Direito, nos Sindicatos, e em outras organizações de defesa da cultura do “Bem Viver e do Encontro”. Este jeito de ser Igreja é muito importante. Além da dimensão doutrinária e orante da fé, preocupa-se também com a operacionalização da fé, com o seu aspecto social, indo às causas, propondo políticas públicas que transformem e melhorem a vida do povo. Naturalmente todo este envolvimento deve ser iluminado pela Palavra de Deus e alimentado pelas celebrações da liturgia e da piedade popular.

O Intereclesial está sendo preparado no Brasil inteiro. Em todos os Regionais, em muitas Dioceses e até em algumas Paróquias estão acontecendo encontros de preparação para o 14º. Toda esta fermentação, com certeza, vai levedar a nossa Igreja no Brasil. O 14º vai ser uma bênção para todos nós.

Sendo aqui em Londrina, no Paraná, espera-se que aqui os frutos do 14º sejam mais vigorosos. Espera-se que a visão eclesiológica das CEBs surja com mais ardor no coração e na mente dos agentes de pastoral, dos agentes leigos e leigas, mas também dos agentes da hierarquia, ou seja, dos diáconos dos padres e dos bispos.

CEBs é um modo de ser Igreja. Não é um movimento, nem uma pastoral, nem algo semelhante. Uma diocese pode se organizar na proposta das CEBs. Uma paróquia também. A base são as comunidades. As pequenas comunidades organizadas, articuladas entre si, formando rede de comunidades, ou seja, a paróquia. Aquilo que a CNBB pede no Documento 100, nada mais é do que a proposta de CEBs. Algumas pessoas, ficam um pouco assustadas com a palavra CEBs. Eu não me preocupo. Se não quiserem usar, estejam à vontade. O importante é viver a realidade CEBs. Pequenos grupos, articulados, formando comunidades que, por sua vez, articuladas, formam as paróquias, envolvidas com as questões sociais, iluminadas pela palavra de Deus, alimentadas pela Eucaristia e os demais sacramentos e outras celebrações realizadas pelo povo.

Como o Senhor está motivando a comunidade para o Catorzinho?

 Aqui em Londrina estamos nesta proposta de preparação para realização do 14º Intereclesial de CEBs. Dom Orlando teve a boa inspiração de propor as Santas Missões populares, como ação pastoral capaz de fomentar um clima favorável às CEBs e consequentemente, ao 14º. A realização das Santas Missões Populares e a preparação do 14º, incluindo o Catorzinho, não são atividades paralelas, mas integradas uma a outra. As Santas Missões Populares fomentam e fortalecem o 14° e o Catorzinho, e o 14° e o Catorzinho são expressões concretas das Santas Missões Populares. Por isso, a preparação para o 14º tem que estar profundamente integrada e inspirada nas Santas Missões Populares. Por sua vez, as Santas Missões Populares devem estar integrada com a preparação do 14° e a realização do Catorzinho. Objetivo, tanto do 14º, quanto das Santas Missões Populares é o fortalecimento dos Grupos Bíblicos de reflexão, a formação de pequenas comunidades articuladas em paróquias. Esta é a finalidade última, tanto das Santas Missões Populares quanto das CEBs que vão celebrar o 14° Intereclesial aqui em Londrina. A preparação do 14º está sob a coordenação de um Secretariado formado por pessoas aqui de Londrina. Este Secretariado reúne-se mensalmente. Neste período, enquanto estou como Administrador Apostólico tenho marcando presença nestas reuniões para estar junto, opinar, sugerir. As decisões, porém, são sempre colegiadas. A opinião do Bispo vale tanto quanto a dos demais. O bispo, pelo fato de ser bispo, não decreta. Sua presença, no entanto, não deixa de ser uma presença de apoio, de confirmação e oficialização das decisões tomadas. No meu modo de ver, o Catorzinho está bem preparado e a caminhada para o 14° está muito bem articulada. As várias equipes já foram montadas e estão em plena atividade. Claro que se conta com a participação das Paróquias, da Pastorais, dos Movimentos Eclesiais, dos Serviços e Organismos. Pelo que percebo, também aqui, o envolvimento e a participação têm sido muito positivos. O Catorzinho que está para acontecer, vai ser uma espécie de ensaio para o 14º. Espero que tudo corra bem.

“Espero que, tanto das Santas Missões Populares, quanto do 14º surja uma Igreja em que os leigos e as leigas tenham mais espaço de corresponsabilidade. Sejam também promotores da ação pastoral e não simplesmente executores”.

Quais Resultados o Senhor espera do 14º Intereclesial?

A expectativa é boa, tanto para a realização do Catorzinho, quanto para o 14º. Mas é bom lembrar que um e outro são eventos que passam. Todos desejamos que os eventos ocorram a contento. Contudo, evento é evento. O que importa são os resultados. Meu desejo sincero é que de todo este processo de preparação para o 14° intereclesial e sua realização, nossa Igreja, no Brasil, e particularmente, no nosso Regional Sul 2, surja mais consciente de que deve ser uma Igreja em “saída”; que diante dos desafios do mundo urbano, seja mais ousada e criativa, tenha mais ousadia em suas propostas pastorais, no seu estilo e no seu modo de evangelizar. Torço para que, de todas estas reflexões e trocas de experiência, surja uma Igreja menos obsessionada com a transmissão desarticulada de uma imensidade de doutrinas, que fale menos da lei e mais da graça, menos da Igreja e mais de Jesus, menos do Papa e mais da Palavra de Deus (EG 35-38). Todos sabemos que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Espero que nossos Agentes de Pastoral saiam do 14º com mais vigor, mais fortes, e mais comprometidos com a causas dos pequenos e excluídos. Que prefiram mais, como pede o Papa Francisco, ser membros de uma “Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas” do que pertencer a uma “Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”. Ainda conforme pede o Papa Francisco, espero que, como resultado do 14°, “mais do que o medo de falhar, nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: “Daí-lhe vós mesmos de comer” (EG 49).

Claro que espero pelo bom êxito do 14°. Mas, se não houver resultado, terá sido nulo. Os resultados irão dizer se valeu a pena tanto esforço e tanto investimento. Rezemos e nos empenhemos para que sejam positivos.

 “Construção da CEBS na região”

Nossa Igreja, aqui em nossa região, parece estar ainda muito na mão do clero. Os leigos e as leigas permanecem muito dependentes. São pessoas dispostas a participar, a envolver-se e a ajudar, mas nem sempre se sentem autorizadas a ter iniciativas. Leigos e leigas deveriam ser um pouco mais pró-ativos, sugerindo mais, decidindo mais. Nossos leigos são mais executores do que promotores. Espero que, tanto das Santas Missões Populares, quanto do 14º surja uma Igreja em que os leigos e as leigas tenham mais espaço de corresponsabilidade. Sejam também promotores da ação pastoral e não simplesmente executores. Queremos que surjam CEBs em nossa região? Convertemo-nos!

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