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Exclusão e Busca de outro mundo possível. Agenor Brighenti

“não deixar entrar em nosso coração a cultura do descartável. Ninguém é descartável!”

Nesta série de artigos, estamos colocando em evidência algumas “ambiguidades de um tempo pascal”, marcado por profundas transformações. Já falamos de duas delas. Uma terceira é, por um lado, o fenômeno gritante da exclusão de grande contingente da população e, por outro, a indignação ética dos que se organizam e lutam por um mundo onde caibam todos.

A riqueza que gera pobreza

Um dos princípios da ética cristã é o destino universal dos bens: Deus criou este mundo e deu tudo para todos. Consequentemente, todos têm o direito ao necessário para viver uma “vida em abundância”, com austeridade. Infelizmente, a realidade é outra. Hoje, 20% da humanidade detém 80% dos recursos do planeta e os demais 80% só têm acesso a 20% dos bens.

Na década de 1960, o geógrafo e diplomata brasileiro Josué de Castro, em seu livro clássico “Geografia da Fome”, dizia: “metade da humanidade dorme com fome e a outra metade dorme com medo daqueles que tem fome”. Hoje, a concentração da riqueza se agravou ainda mais: dois terços da humanidade dormem com fome e o outro terço já nem dorme por medo dos que têm fome.

Como diagnosticou a teologia latino-americana, desde a primeira hora, o pobre é em grande medida um “empobrecido” e, o rico, um “enriquecido”, feitos pobre ou rico por um sistema econômico que, no dizer do papa João Paulo II, faz “ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres”. Em outras palavras, a pobreza é produzida pela riqueza acumulada nas mãos de poucos. A riqueza se alimenta da escassez da maioria.

Mais que explorados, excluídos

A riqueza que se alimenta da escassez da maioria ou a riqueza que produz pobreza, além de gerar “empobrecidos”, gera também uma grande massa de “excluídos”, dos quais a economia de mercado prescinde, pois não produzem e nem consomem.

Os dividendos e o acúmulo dos ganhos da produção, fruto de tecnologias cada vez mais eficientes, não são distribuídos, mas aplicados na criação de novas tecnologias, cada vez mais avançadas, que vão, não só contribuir para uma concentração cada vez maior da riqueza nas mãos de poucos, como para a dispensa de mão-de-obra. O sistema liberal capitalista, hoje, pode se auto-gestionar com apenas 30% da população. Os outros 70% sobram e, mais que isso, atrapalham: pessoas, regiões do planeta, nações, que não contam. É a nova face da pobreza, em que os pobres não é apenas um “explorado”, mas em sua maioria, “supérfluos” e “descartáveis”: menores e moradores de rua, doentes da rede pública de saúde, migrantes, idosos, desempregados, os sem-teto e sem-terra, indígenas, quilombolas, usuários do bolsa-família, etc. Melhor que nem existissem, pois deixariam de delatar o cinismo dos satisfeitos.

Por um mundo onde caibam todos

Antítese desta situação desesperadora são os que se levantam esperam contra toda esperança. Ainda na década de 1990, frente à recrudescência do capitalismo neoliberal, houve a emergência de uma sociedade civil mundial. Uma de suas iniciativas foi o Fórum Social Mundial, em torno ao lema – “um outro mundo possível”, sobretudo porque urgente e necessário.

O excluído ou o pobre como insignificante ou descartável têm sido uma questão recorrente nos pronunciamentos do papa Francisco. Para ele, o grande desafio para os cristãos, consequentes com o Evangelho da vida, é “não deixar entrar em nosso coração a cultura do descartável. Ninguém é descartável!”. Por isso, insiste, “tenham a coragem de ir contra a corrente dessa cultura eficientista, dessa cultura do descarte”.

Em nossa sociedade, “a exclusão dos jovens e dos idosos é uma eutanásia oculta”. Na Evangelii Gaudium,adverte:

“assim como o mandamento de ‘não matar’ põe limite claro para assegurar o valor da vida humana, hoje, temos que dizer ‘não a uma economia da exclusão e da falta de equidade’. Esta economia mata, pois o sistema social e econômico é injusto em sua raiz”. –E continua: “quando a sociedade – local, nacional, mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não haverá programas políticos nem aparato policial ou de inteligência que possam assegurar indefinidamente a tranquilidade” (EG 53). 

Fenômeno esperançador para o papa Bento XVI, na Encíclica Caritas in Veritate, é o surgimento de um novo poder político, que tende a crescer – a sociedade civil. Ela é fruto da falência da democracia representativa, que representa os interesses dos grandes grupos econômicos. Constitui-se por segmentos desta sociedade civil, que estão colocando as bases de um novo sistema econômico, inclusivo de todos, pelo fortalecimento de microiniciativas como a economia solidária, a agroecologia, a agricultura familiar, etc.

Nesta perspectiva, frisa a Caritas in Veritate, que as dinâmicas de inclusão não têm nada de mecânico: ao lado dos macroprojetos, são importantes os micro-projetos e, sobretudo, a mobilização real de todos os sujeitos da sociedade civil, tanto das pessoas jurídicas como físicas (n. 47). AGENOR BRIGHENTI

FONTE: amerindiaenlared.org

 

 

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