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Inovação constante e exigência de maior flexibilidade (Ambiguidades de um tempo pascal VII) Agenor Brighenti

A esperança cristã não é uma esperança passiva, que põe o fim no fim dos tempos. É uma esperança ativa, que vai antecipando o fim no tempo, no tempo presente, sempre tempo de graça.

Uma das marcas de nosso tempo é a inovação constante. Diferente do antigo mundo rural, onde tudo era quase sempre igual e nada mudava, hoje, a cada dia, nos deparamos com novidades e mudanças. E elas são constantes. Quando nos adaptamos à uma nova situação, aparece outra, exigindo a aprender quase tudo de novo. Os pais têm dificuldade de acompanhar o ritmo de seus filhos e os avós se espantam com as habilidades dos seus netos.

Para acompanhar as mudanças, antigamente, bastava alguma vez na vida fazer uma “mudança de mentalidade”, o que já não era fácil. Hoje, somos todos desafiados a ter uma “mentalidade de mudança”, a estar sempre abertos a aprender a aprender. Para viver nos dias de hoje, não basta aprender. É preciso saber aprender a aprender, constantemente.

Inovação constante 

Campo por excelência de inovações é a tecnologia, que ocupa um lugar central no mundo de hoje. Há crise em todos os campos, menos na área das tecnologias. No seio de uma sociedade tecnicista, os ganhos da produção não são distribuídos, mas aplicados na criação de novas tecnologias. A última invenção sai com seus dias contados. Não dura mais que nove meses.

Diante disso, por mais que busquemos nos atualizar, sempre estamos defasados ou atrasados. E sem nos dar conta, de repente, estamos também nós mergulhados no mundo do provisório, do passageiro, do descartável e do efêmero. Pois, a velocidade das mudanças cria a sensação de que estamos diante da novidade inesgotável das coisas e da possibilidade de afogar a insatisfação, pela degustação inacabável de novidades, a usar e descartar.

Tudo fenece rapidamente, obrigando a recomeçar desde o início. A vida mesma aparece como um projeto transitório, com o qual se pode romper a qualquer momento. O compromisso, a longo prazo, é uma carga insuportável, levando a fugir de toda e qualquer decisão duradoura. As decisões “são eternas enquanto duram”. E duram muito pouco. Cada vez menos. Às vezes, quase nada ou nada. Há casamentos ou ordenações que duram menos de um ano.

É a cultura do descartável, que favorece mais as sensações do que a reflexão. Mais a visualização ou percepção sensitiva ou emocional, do que o discernimento. Dado que o passado perdeu relevância e o futuro é incerto, o corpo é a única referência da realidade presente, fazendo-nos deixar levar pelas sensações. A “sociedade das sensações” rouba a capacidade de reflexão e de distância, condição para um posicionamento crítico, o discernimento e a assimilação personalizada.

Exigência de maior flexibilidade 

Frente a isso, de nada adianta buscar refugiar-se num passado sem retorno. Antes impõe-se assumir o presente. Nem tudo é negativo nesta cultura da inovação constante. Também ela é portadora de ambiguidades. Por um lado, ela presenta contra-valores mas, por outro, muitos valores a acolher. A história é sempre prenhe de interpelações do Espírito, convites a avançar para terras desconhecidas. Deus mesmo é novo em cada manhã. Para vivê-lo, é preciso estar disposto a renascer cada dia, a lançar-se no desconhecido.

Entre outros desafios, a inovação constante em nossos dias apresenta a exigência de sermos mais flexíveis. Em meio às contínuas mudanças, vale menos os conhecimentos armazenados do que a capacidade de aprendizagem e a adaptação contínua. Até porque a cada quatro anos, se duplicam os conhecimentos no mundo, o que significa que a cada quatro anos muda uma geração. Se as instituições precisam ser flexíveis para responder às exigências de nosso tempo, muito mais as pessoas estão desafiadas a se abrirem constantemente ao novo. Num mundo cada vez mais diversificado, mais do que conviver com os diferentes, é preciso buscar se enriquecer com as diferenças.

Além da exigência de maior flexibilidade, o encolhimento da utopia no momentâneo leva a rever também nossa concepção de tempo. Há duas formas de conceber o tempo. Uma é o tempo como chronos, tempo linear, que põe a utopia no final dos tempos, uma dilatação indeterminada do futuro. Se há um lixo da história, o primeiro a jogar neste lixo é esta concepção de história. Ninguém mais está disposto a sacrificar sua vida para que outros tenham uma vida melhor no futuro – “eu quero-te ser feliz, hoje, agora!”.

Outra forma de conceber o tempo é vê-lo como kairos. Nesta perspectiva, o fim ou a utopia que se persegue não está no “final dos tempos”, mas se vai fazendo acontecer no tempo presente, através de realizações ainda que parciais daquilo que se espera em plenitude. É a fé como realização no tempo daquilo que se espera. A esperança cristã não é uma esperança passiva, que põe o fim no fim dos tempos. É uma esperança ativa, que vai antecipando o fim no tempo, no tempo presente, sempre tempo de graça, no qual Deus continua multiplicando, através das pessoas de boa vontade, os gestos messiânicos de seu Filho.

 

 Escrito por: Agenor Brighenti –  Doctor en ciencias teológicas y religiosas por la Université Catholique de Louvain, Bélgica; profesor-investigador de la Pontificia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba; profesor visitante del Instituto Teológico-Pastoral para América Latina del CELAM, en Bogotá, y miembro del Equipo de Reflexión Teológica-Pastoral del CELAM.

Fonte: AMERINDIAENLARED.ORG

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