Shadow

Na fraqueza da gente, a força do Espírito. Marcelo Barros

“O problema da pedofilia é uma tragédia humana, presente nas famílias, nas escolas, em meio ao exercício de todas as profissões e também nas Igrejas.”

Nesses dias, estou em Santiago do Chile para um encontro da Ágora dos Habitantes da Terra. É o primeiro encontro latino-americano a partir do sul e visando uma nova aliança da humanidade. Devo falar hoje nesse encontro sobre “a ética e a espiritualidade desse caminho de uma humanidade nova para o cuidado da casa comum”.

Ontem, fui convidado pela Caritas da arquidiocese de Santiago para um encontro. No momento em que eu chegava para o encontro, a polícia invadia as dependências da cúria arquidiocesana atrás de documentos e coisas que esclareçam mais a justiça contra o cardeal de Santiago e outros bispos chilenos, acusados de encobrir padres pedófilos…

Conforme o próprio pessoal da arquidiocese me disse: “Nesses dias, se teme que o cardeal, chefe da Igreja Católica chilena, seja preso”.
Graças a Deus, não me pediram para me pronunciar sobre isso e sim sobre como reanimar os grupos de leigos e de Igreja dos pobres. De todo modo, o assunto estava sempre por trás de todas as palavras e diálogos.

Pessoalmente, sei que o problema da pedofilia é uma tragédia humana, presente nas famílias, nas escolas, em meio ao exercício de todas as profissões e também nas Igrejas. No entanto, a tragédia toma proporções de epidemia em uma Igreja que educa as pessoas desde muito jovens em ambientes misóginos, avessos à mulher. Até hoje, quase sempre, os seminários são ambientes que tratam os jovens como se esses não tivessem corpo ou como se o corpo não tivesse seus direitos e suas leis. Continuam a repetir uma doutrina contrária a qualquer diversidade. E a espiritualidade tradicional ainda considera a sexualidade como perigo a ser evitado custe o que custar. Nesses dias, li sobre um pastor neopentecostal que depois de pregar que sexo fora do casamento é pecado, desceu do púlpito e transou com a secretária, em um contexto de macho predatório e violento que fez mal a ela e a ele mesmo. Infelizmente, na cultura repressora e repressiva dele, ou ele fazia assim (de forma violenta e opressiva) ou não conseguia fazer. Será que alguma coisa assim com padres que caem nessa armadilha?

Por que será que 99% dos casos conhecidos ocorrem com padres que se colocam na Igreja mais tradicionalista e que defendem um tipo de vivência da fé conservadora e fechada. Essa relação entre clericalismo opressivo e abuso da confiança na autoridade “sagrada” será apenas coincidência ou tem alguma coisa a ver?

Não quero justificar pessoas que, de fato, cometeram crimes que não podem ser desculpados. No entanto, penso que esse seria o momento para a Igreja Católica se rever e mudar radicalmente a sua estrutura. Ou ela será capaz de ver isso e começar esse processo ou todo esse sofrimento e todo esse escândalo será inútil. Os bispos que estão sendo acusados de acobertadores de crimes não têm obrigação de serem informantes da polícia ou acusadores civis de seus irmãos. Penso que o erro não foi esse. Foi usar a estrutura clerical para proteger criminosos que podiam continuar a praticar seus crimes e como predadores sem consciência de estarem destruindo vidas humanas. Esses bispos, eles também são vitimas da estrutura. Para eles, a Igreja é santa e imaculada. Não pode ser vista como pecadora. Tem de ser protegida, embora passando por cima do direito das vítimas (menores). E além disso, a maioria deles pensava (eu ouvi de um deles) que com oração e penitência, o padre pecador podia se converter e era obrigação do pastor lhe proporcionar isso, (essa chance). Quem disse que basta a Moral e a Razão escondendo a estrutura psicológica desviada e sem ser devidamente cuidada?

As crises são de vários tipos. Quando somos perseguidos por ser discípulos de Jesus, podemos dizer que somos bem-aventurados. Quando estamos desacreditados porque pecamos, é mais difícil e mais doloroso viver com essa fragilidade. Mas nossa fé nos pede, em qualquer situação, que tentemos ouvir o que o Espírito diz, hoje, às Igrejas (Ap 2: 5).

Na época do apóstolo Paulo, a pequena e pobre comunidade cristã de Corinto vivia inserida em uma sociedade de costumes sexuais complicados (que vinham do culto de Vênus, a deusa da sexualidade e do culto de Baco, os famosos bacanais). Foi para esses irmãos e irmãs que Paulo escreveu: “nós os exortamos a que não recebam em vão a graça de Deus, pois ele diz: no tempo aceitável te ouvi, e no dia da salvação te socorri . Aqui agora é o tempo aceitável; eis que agora é o dia da salvação (2 Cor 6, 1-2).

Tomara que os irmãos da hierarquia católica, atingidos por essa crise, a partir da humilhação e da dor desse momento, escutem esse apelo à mudança. À mesma comunidade, Paulo faz uma confidência: “Para que a grandeza das revelações não me deixasse orgulhoso, foi me dado um espinho na carne, um mensageiro de Satanás, para me atormentar. Por causa disso, três vezes, implorei ao Senhor para tirar isso de mim.EEle me respondeu: A você, basta a minha graça, porque meu poder se revela na sua fraqueza. Por isso, continuava Paulo: prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que a força do Cristo habite em mim “(2Cor 12,7-9).
Somos todos pecadores e somos todos frágeis.

Entretanto, não podemos condescender ou nos omitir perante um crime que é contra a humanidade na sua face mais inocente e impotente. O que temos é de combater o mal pela raiz. E essa raiz que tem de ser combatida parece ser a hipocrisia sagrada que permite o abuso do poder eclesiástico contra vítimas inocentes. O escândalo está vindo à tona em termos sexuais e é terrível, mas todo autoritarismo eclesiástico faz parte desse pecado e o explica, ou ao menos, o facilita. Sem mexer nisso, vai ser difícil curar essa chaga.

Só nos resta pedir que a Igreja toda, como Igreja (clero, hierarquia e povo de Deus) aceite assumir que é frágil, que é pecadora, que não pode e não deve tomar posição de mestra e de luz para ninguém e que o importante é viver o mistério da vida como companheiros e companheiras, na solidariedade humana e para quem tem fé, obedecendo ao que pede Jesus à igreja de Éfeso, no Apocalipse: Volte ao seu primeiro amor (Ap 2, 5). Na Bíblia, isso significa: “volte à caminhada do Êxodo, à espiritualidade da libertação”. Conforme o evangelho, dizemos: “à mística do reino”. Fora disso, parece que não há salvação.

(Salvação aí não no sentido divino e sim no sentido humano, ou seja, não haverá saída institucional, solução para a crise. É pena que não tem quem diga isso aos formadores de seminário e à maioria de nossos bispos).

Por Marcelo Barros.

1 Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.