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O MEDO E A ESPERANÇA DO VERBO ESPERANÇAR.

Por ANTONIO SALUSTIANO FILHO*

Eu tenho medo! Afinal eu sou um ser humano e o medo é um sentimento próprio da espécie e traduz um estado de insegurança diante de determinada situação, seja esta interna ou externa. O que não podemos é nos sucumbir ao medo. O medo pode nos dominar e fazer com que não enfrentamos a situação que nos provoca esse sentimento. Mas pode nos encorajar ao enfretamento da situação causadora desse sentimento. Nessas condições, o medo torna-se um elemento desafiante e encorajador para enfrentar o que quer que seja o monstro que nos amedronta.

Para enfrentar nossos medos, venham eles de onde vierem, é preciso tenhamos vontade de viver. Não viver de qualquer jeito, mas viver com esperança de que a vida e o mundo podem e devem ser melhores do que uma existência e um espaço tempo sem as condições que nos fazem verdadeiramente humanos. E a vida e o mundo para ser melhores do que as realidades temos depende de cada um de nós. Assim, a esperança deve ser do verbo ESPERANÇAR. Ou seja um sentimento que não fica só sentir emocionalmente, mas um sentimento que nos impulsiona a sair da nossa zona de estagnação para irmos ao encontro daquilo que desejamos. Um sentimento que se faz motivador do caminhar, a busca do objeto desejado.

Por isso se a maldade e a injustiça arraigadas nas estruturas socais e nas entranhas dos seres humanos nos adoecem, nos paralisam e nos faz medrosos/covardes, a LUTA para transformar tal situação nos abre perspectivas e nos fazem ver o futuro (logo ali) como um horizonte de possibilidades e para lá caminharemos enfrentando e superando os estorvos da caminhada. Isso é esperança do verbo ESPERANÇAR.

E para esse processo de ESPERANÇAR, a esperança é mais que uma virtude teologal alienada que nos faz depositar o sentimento de desejo/realização nas mãos de Deus. Por isso é que vamos aos templos rezar e orar, muitas gritar feito um demônio/humano desgraçado (sem a Graça de Deus) lamentando nosso penar e pedindo ao Deus distante e inacessível faça por nós o que Ele já nos incumbiu de fazer ao nos lançar nesta aventura cósmica e terrenal, de nos fazer seres humanos à sua imagem e semelhança.

Deus não está nos templos e nem nos rituais que ali se praticam destituídos da espiritualidade sacrossanta da Natureza e do Universo, onde Ele se faz presente. Lembremos que ao se apresentar a Moisés no Monte Horeb, Deus primeiro se manifestou na sarça ardente que queimava sem se consumir (vegetal e fogo: elemento da natureza: presença de Deus). Depois que Moisés se aproximou, Deus disse: “Tires as sandálias dos pés, pois o lugar onde estás é chão sagrado” (EX 3, 5). Chão (terra: elemento sagrado da natureza: presença de Deus) cujas sandálias impedem o contato direto do ser humano com terra, chão sagrado porque contém Deus.   

Por isso nosso contato com a terra, água, o ar são, em primeira mão, nossa aproximação natural com Deus. Depois, se preferirmos, podemos ir ao templo rezar, orar e gritar nossos louvores a Deus, antes encontrado no seu Templo por excelência, a Natureza, o Universo.  Daí nosso culto será um ritual de louvação pelo Deus manifesto e não mais um ritual fúnebre de lamentação onde pedimos que Deus faça-nos aquilo que já fez e nós, promotores e mantenedores da maldade e injustiça institucionalizadas ou pessoais, afugentamos para longe de nosso ser/viver.

Não podemos praticar a religião do medo como fazem algumas igrejas neopentecostais cuja procura por Deus (procura é diferente de busca) se dá virtude da teologia do medo propagada pela pregações que aliena e incute o medo do demônio que é mais lembrado do que o Deus/Amor revelado por Jesus de Nazaré.

A esperança do verbo ESPERANÇAR é uma condição sem a qual não podemos dizer que somos cristãos, na verdadeira acepção do autêntico cristianismo, nos falta a alegria e paz na fé para enfrentar o medo. São Paulo diz: “Que o Deus da esperança vos encha de completa alegria e paz na fé, para abundeis em esperança pela força do Espírito Santo.” (R, 15,13). Fazemos eco aqui de uma canção cantada por Ivan Lins, que dizia assim: “Desesperar jamais, aprendemos muito nesses anos. Afinal de contas não tem cabimento entregar o jogo no primeiro tempo. Nada de correr da raia, nada de morrer na praia. Nada! Nada! Nada de esquecer. No balanço de perdas e danos já tivemos muitos desengano, já tivemos muito que chorar. Mas agora, acho que chegou a hora de fazer valer o dito popular: desesperar jamais!”

E, também os versos de Gilberto Gil: “andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá (falhar)… Mesmo a quem não tem fé, a fé costuma acompanhar, pelo sim, pelo não…”. Um dose de fé ajuda a esperança do verbo ESPERANÇAR.

Não poderia esquecer o grande Mestre/Educador Paulo Freire “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”.

Nesses tempos sombrios de um governo neofacista, homofóbico, negacionista, ditador e genocida  e que quer se perpetuar no poder é preciso ESPERANÇAR!

*ANTONIO SALUSTIANO FILHO, advogado e militante das CEBs e movimentos sociais de libertação.

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