Irmãs e irmãos amados e amadas por Deus: “que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja com vocês” (Tessalonicenses 5, 28). Estou escrevendo esta carta para relatar a vocês um sonho que realizei e relatar também a oportunidade que tive em participar, pela primeira vez, do encontro regional das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) do Regional Oeste II da CNBB.
A cidade de São Félix do Araguaia foi o chão do encontro dos leigos e leigas, líderes das comunidades eclesiais de base da igreja católica do nosso estado do Mato Grosso (MT) que nos recebeu com muito carinho e de braços e casas abertas. Fomos recebidos pela juventude que nos acolheu e nos direcionaram as casas das famílias da cidade.
Fiquei na casa do Zezinho e sua filhinha (sua esposa estava em Cuiabá se tratando de um câncer de mama). A cidade é pequena e humilde, mas é enorme no acolhimento. Está situada na região nordeste do MT, divisa com o estado do Tocantins (TO) sendo o Rio Araguaia, o divisor dos estados.
Assim, durante os dias 07 a 10 de setembro de 2017 a igreja se reuniu à luz do evangelho para avaliar, refletir e celebrar a vida da caminhada das CEBs do MT. Estiveram reunidas mais de 600 lideranças negras, brancas e indígenas, homens e mulheres lutadoras e lutadores pela vida. Além das lideranças, estiveram presentes padres, diáconos, seminaristas, irmãs e religiosas. O que mais me chamou a atenção foi a presença dos bispos que participaram durante todos os dias do encontro e se misturaram no meio do povo com muita humildade e simplicidade.
O tema do encontro foi “os desafios das CEBs diante do mundo urbano e rural”. O tema foi debatido através de palestras, pequenos grupos, miniplenárias e plenárias. Além do mais os participantes tiveram o direito de falar por meio da “fila do povo”. Muitos foram os desafios elencados pelos participantes, mas a meu ver, o destaque foi o desafio de ser igreja diante do avanço do agronegócio no nosso estado. Um modelo de desenvolvimento do campo que ignora a diversidade e desrespeita a vida!
Fiquei impressionado com a região e com a igreja da Prelazia de São Félix do Araguaia. Uma igreja que visivelmente tem a opção preferencial pelos pobres, negros, indígenas, ribeirinhos e pescadores. O grande responsável por esta opção, por esta postura é o D. Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia. D. Pedro chegou ao Brasil em 1968 e fundou a missão claretiana no Estado do Mato Grosso. Naquela época, a região possuía um alto grau de analfabetismo, marginalização social e concentração fundiária, onde eram comuns os assassinatos.
Como bispo, Casaldáliga defendeu e defende que a Evangelização deve ser sem colonialismos, vinculada à promoção humana e à defesa dos direitos humanos, dos mais pobres; criou comunidades eclesiais de base com líderes que sejam fermento entre os pobres; acredita na Encarnação na vida, nas lutas e esperanças do povo; que a igreja deve ter uma estrutura participativa, corresponsável e democrática na diocese.
O bispo também prefere não utilizar os tradicionais trajes eclesiásticos, em vez da mitra, preferia o chapéu de palha, em vez de um anel de ouro, utilizava um anel de tucum. Devido a postura e a opção pelos marginalizados, Dom Pedro já foi alvo de inúmeras ameaças de morte. A mais grave foi em 1976 em Ribeirão Cascalheira – MT, após forte discussão com policiais.
Ao ser informado que duas mulheres estavam sendo torturadas na delegacia local, se dirigiu até a delegacia. Foi acompanhado pelo padre jesuíta João Bosco Penido Burnier que ameaçou denunciar os policiais às autoridades, sendo agredido e alvejado com um tiro na nuca.
Em São Félix do Araguaia realizei um dos meus sonhos em conhecer o bispo dos pobres. Um seminarista me levou até a casa dele. Aliás, uma casa muito humilde com uma energia incrível. Sempre sonhei em conhecer Dom Pedro, desde a época em que participava da Pastoral da Juventude Rural (PJR) em meados dos anos 2000. D. Pedro, mesmo sofrendo do mal de Parkinson, nos presenteou com sua presença durante o encontro das CEBs. Um momento muito emocionante, onde várias lágrimas foram derramadas de tamanha comoção em ver o bispo dos pobres. Durante sua rápida visita, sussurrou no ouvido do padre de São Félix para seguirmos em frente com amor e esperança.
Mesmo depois da doença, não perdeu a combatividade e a franqueza, criticando a hierarquia da igreja que deveria se abrir ao diálogo em lugar de excomungar e proibir, defendendo a ordenação de mulheres e afirmando ser contra o celibato sacerdotal.
Enfim, revivi a história viva da igreja da Prelazia e reafirmei minha fé numa igreja missionária, profética e que tem a opção preferencial pelos marginalizados!
Por Wagner Gervazio, Comunidade Eclesial de Base Estrela do Sul,
Paróquia Santa Cruz, Diocese de Sinop – Mato Grosso.
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